“Nossa
atitude e crença têm por base a Bíblia. E nunca queremos que pessoa nenhuma
faça prevalecer os testemunhos sobre a Bíblia” (Ellen White)
Todo pastor adventista deve se valer
dos escritos de Ellen G. White, ao buscar compreender as Escrituras e preparar
sermões. Porém, deve ser cuidadoso com relação
ao seu modo de expor a mensagem, considerando
a compreensão e atitude dos ouvintes para com o assunto. Desse modo, quando
falar a incrédulos buscando atraí-los a Cristo, não convém mencionar nem Ellen
White nem suas visões, conforme ela mesma ensinou1 e segundo a orientação do
apóstolo Paulo no sentido de que “a profecia não é para os incrédulos, e sim
para os que creem” (1Co 14:22).
Caso os ouvintes sejam membros da
igreja, mas não tenham opinião formada ou rejeitem essa doutrina, é
imprescindível que primeiro esta lhes seja claramente ensinada. Se isso não for
feito, pode-se dar como certo que eles simplesmente desconsiderarão o que for
proferido no sermão como sendo proveniente de Ellen White.
Prioridade da Bíblia
Costumamos chamar os escritos de
Ellen White de “Espírito de Profecia”. Antigamente, porém, os adventistas os
chamavam de “Testemunhos”. Tendo isso em mente, observe algumas de suas
declarações: “Nossa atitude e crença têm por base a Bíblia. E nunca queremos que
pessoa nenhuma faça prevalecer os testemunhos sobre a Bíblia.” “Não devem os
testemunhos da irmã White ser postos na dianteira.”2
Tais conselhos mostram a posição de
seus escritos em relação à Bíblia e advertem quanto a empregos inadequados do
que ela escreveu. Segundo a orientação que ela mesma deu, não é correto substituir
a leitura e o estudo da Palavra por seus escritos. Não se deve ir ao púlpito,
abrir um de seus livros e simplesmente pregar o que
ali está exposto, deixando de lado a Bíblia.
O pregador também não deve começar o sermão com algo que ela escreveu para,
depois, se voltar para a Bíblia, nem enfatizar seus escritos acima da Bíblia.
Isso é colocar os testemunhos na dianteira das Escrituras.
Ao estabelecer a relação entre a
Bíblia e seus escritos, ela observou: “Os testemunhos do Espírito de Deus são
dados para dirigir os homens à Sua Palavra, que tem sido negligenciada”. 3
“Pouca atenção é dada à Bíblia, e o Senhor deu uma luz menor para levar homens
e mulheres à luz maior”.4 Seus escritos são chamados de “luz menor”, no que diz
respeito não ao grau de inspiração, mas à função deles,5 ou seja, conduzir as pessoas
à Bíblia e auxiliar na compreensão dela. A Bíblia é a luz maior cuja função é
nos levar a Cristo e à salvação (Jo 5:39).
Portanto, o procedimento correto consiste
em ler as Escrituras em público e, depois, explicá-la e extrair alguma
aplicação, fazendo uso, também, da revelação de Deus por meio dos escritos de
Ellen White. Desse modo, a Bíblia não será descartada nem colocada em segundo
plano, mas ocupará o lugar de honra que lhe é devido, tendo primazia e sendo a
base do sermão.
Ângulo de abordagem
Basicamente há três maneiras pelas quais
Ellen White abordava o texto bíblico: interpretando, reinterpretando e
aplicando. A interpretação do texto diz respeito ao seu significado para quem o
escreveu. Quando a Sra. White interpreta um texto bíblico, ela o faz com
fidelidade. A reinterpretação de um texto consiste em retirá-lo do contexto imediato
em que está inserido e colocá-lo em outro, outra época, outro lugar, dizendo
respeito a outras pessoas. É necessário
ressaltar que um texto só pode ser reinterpretado por alguém que seja inspirado
por Deus, como é o caso dos profetas. Os escritores do
Novo Testamento reinterpretaram textos
bíblicos.
Aplicação do texto significa
extrair dele a lição espiritual para a vida presente. O pregador deve
perguntar: “como este texto ajuda a mim e aos ouvintes em meio às nossas lutas,
necessidades e desafios?” A aplicação deve contribuir para moldar nosso caráter
e conduta, e está relacionada ao ser e ao fazer.6 Na grande maioria dos escritos
de Ellen White que comentam passagens bíblicas, ela apenas extrai lições
espirituais do texto sagrado aplicando-as conforme a necessidade do momento.7
Sendo assim, ao usarmos os
comentários de Ellen White sobre o texto bíblico, devemos nos certificar do
ângulo pelo qual ela o está analisando. Está interpretando, ou aplicando?
Pouquíssimas vezes, seu comentário parece abranger quase tudo o que pode ser
dito sobre determinada parte da Bíblia – como acontece em um capítulo dos Testemunhos
Seletos, intitulado “Josué e o Anjo”. Ela inicia interpretando, mostrando o
significado da profecia de Zacarias para os contemporâneos do profeta, no ano
520 a. C., os quais haviam retornado do exílio babilônico e estavam
reconstruindo suas cidades e o templo. Depois passa à aplicação, explicando
como Satanás procura hoje nos desanimar e como Cristo defende os que nEle
creem. Finalmente, reinterpreta o texto, demonstrando como a profecia se refere
“com força particular à experiência do povo de Deus” no tempo de angústia que
ocorrerá imediatamente antes da volta de Cristo.8
Portanto, se ela estiver apenas interpretando
um texto bíblico, podemos extrair lições espirituais além daquilo que ela
comenta. Se estiver apenas aplicando, estudando com afinco na busca da
interpretação, podemos ter maior entendimento do significado original do texto.
Mas também devemos considerar que, algumas vezes, ela não está nem
interpretando nem aplicando o texto, mas reinterpretando-o, dando-lhe significado
diferente daquele pretendido pelo escritor original. Nesse caso, também há
outros significados no texto que ela não está levando em conta no momento.
Há textos bíblicos sobre os quais a
Sra. White nunca fez nenhum comentário, há os que ela apenas interpretou, há
outros que foram somente reinterpretados, e existem aqueles dos quais ela
extraiu algumas lições práticas. Com base nisso, somos levados
a concluir que, embora seu comentário sobre
algum texto seja sempre verdadeiro, pode não abranger toda a verdade ali inserida.
Nesse caso, não seria a palavra final sobre essa passagem,9 porque mediante
estudo, de outro ângulo, podemos ter maior entendimento. O fato de sermos
altamente privilegiados em ter seus escritos não deve servir de pretexto para nos
contentarmos com o que ela nos legou, e nos acomodarmos deixando de pesquisar
com maior dedicação e profundidade as Escrituras.
Regras de interpretação
A correta interpretação de qualquer
texto é feita respeitando-se determinadas regras fornecidas por uma ciência
chamada hermenêutica. Isso é válido para escritos seculares e religiosos, sejam
eles inspirados ou não. Citamos duas das regras mais
significativas, que precisam ser
aplicadas aos escritos de Ellen White; caso contrário, corre-se o risco de se ter
má compreensão e, consequentemente, conduta diferente da que Deus havia
planejado.
1) Considere o contexto
histórico.
Significa levar em conta a situação
envolvida, as circunstâncias em que se encontravam o autor e os primeiros
destinatários do escrito. Devemos buscar respostas para as seguintes perguntas:
Quem escreveu? Quando? Onde? Para quem? Por quê? Vejamos um exemplo: Em certa
ocasião, Ellen White escreveu: “ovos não devem ser colocados em sua mesa”.10 Superficialmente,
poderíamos concluir que ninguém deve
comer ovos. Contudo, esse conselho faz
parte de uma carta-testemunho enviada a um casal cujos filhos estavam formando
o hábito da masturbação e comer ovos os estimulava. Essa orientação era válida
para a família que a recebeu e, por extensão, para qualquer outra pessoa que passe
pela mesma situação; mas não para todas as pessoas.
Em outra ocasião, ela aconselhou: “Ovos
contêm propriedades que são agentes medicinais para combater venenos. Conquanto
tenham sido dadas advertências contra o uso desses artigos em famílias onde as crianças
eram viciadas no hábito do abuso próprio, contudo não devemos considerar
negação do princípio usar ovos de galinhas bem cuidadas e alimentadas
devidamente...”11 A própria Ellen G. White aconselhou:
“Quanto aos testemunhos... o tempo e o
lugar, porém, têm que ser considerados.”12
2) Contexto mais amplo.
Procuremos estudar tudo o que ela
escreveu sobre o assunto que estamos pesquisando. Não nos prendamos a uma frase
ou parágrafo. Como exemplo, mencionamos seu ensino sobre o uso da carne como
alimento. Nos tempos bíblicos, todos comiam carne: sacerdotes, profetas,
apóstolos, o povo de Israel, os primeiros cristãos e o próprio Jesus. Contudo, como
tem havido muitas doenças nos animais,
a Sra. White foi incumbida por Deus de
nos orientar nessa questão.
Notemos algumas de suas
declarações:
“Muitos que são agora só meio convertidos
quanto à questão de não comer carne, sairão do povo de Deus, para não mais
andar com ele.”13 Parece uma declaração muito forte, mas vejamos outras: “O
regime cárneo não é o mais saudável, e, todavia eu não tomaria a atitude de que
ele deva ser rejeitado por toda pessoa. Os que têm órgãos digestivos fracos
podem muitas vezes comer carne, quando não lhes é possível ingerir verduras, frutas
e mingaus.”14
“Entre o povo em geral [na
Austrália], a carne é usada largamente, por todas as classes. É o artigo de alimentação
mais barato; e mesmo onde a pobreza impera encontra-se em geral carne sobre a
mesa. Por isso, tanto maior a necessidade de usar de prudência ao lidar com a
questão de comer carne... Nunca julguei ser meu dever dizer que ninguém deveria
provar carne, sob quaisquer circunstâncias. Dizer isso, quando o povo tem sido
educado a viver de comer carne em tão grande medida, seria levar ao extremo a
questão.”15
“Em certos casos de doença ou exaustão,
poderá ser considerado melhor usar alguma carne, mas grande cuidado deve ser
tomado para adquirir carne de animais sadios.”16 “Quando não me foi possível
obter o alimento de que necessitava, comi um pouco de carne algumas vezes, mas
estou ficando cada vez mais atemorizada de fazê-lo.”17 “Não nos compete fazer
do uso da alimentação cárnea uma prova de comunhão.”18
Assim, percebe-se que há situações em
que a carne pode servir como alimento. Mas para que não imaginemos que tanto
faz comer ou não comer carne, citamos mais um
parágrafo que nos aponta o rumo a seguir:
“Entre os que estão aguardando a vinda do Senhor, o comer carne será afinal
abandonado; a carne deixará de fazer parte de sua alimentação. Devemos ter
sempre isso em vista, e esforçar-nos por trabalhar firmemente nessa direção.”19
Além dessas regras, sugerimos mais
dois procedimentos: (1) que não se confie em boatos sobre o que ela escreveu,
mas se confira o escrito pessoalmente; (2) seja considerado que um indivíduo
não se torna onisciente pelo fato de Deus lhe haver concedido o dom profético.
Os profetas sabiam apenas aquilo que Deus achava por bem lhes revelar. Alguns dos
textos que julgamos mais difíceis na Bíblia nunca foram explicados por nenhum
profeta nem por Ellen White. Cerca de meio ano antes de sua morte, alguns
irmãos desejavam saber exatamente quem eram os 144 mil que seriam assinalados
no tempo do fim (Ap 7:1-8; 14:1-5). No passado, ela já havia escrito a esse
respeito, mas os irmãos queriam mais informações. Sua resposta foi: “Não tenho
luz sobre o assunto... Tenha a bondade de dizer a meus irmãos que nada me foi
apresentado acerca das circunstâncias de que escrevem, e só lhes posso expor
aquilo que me foi apresentado.”20
Em suma, as Sagradas Escrituras devem
ter a primazia e ser a base dos nossos sermões. Os escritos de Ellen White
precisam ser considerados em seu verdadeiro papel: auxiliar na compreensão e na
aplicação do texto sagrado. Também é verdade que, embora seus comentários sobre
algum texto sejam sempre verdadeiros, pelo fato de ela não ter considerado tudo
o que nele está inserido, é possível, mediante estudo, ter maior compreensão do
texto. Há, ainda, necessidade tanto de se pregar sermões que mostrem pela Bíblia
o valor do dom profético bem como de se conhecer e respeitar as regras de
interpretação quando se busca entender o que ela escreveu. Mas, acima de tudo,
destaca-se a necessidade de iluminação do Espírito Santo para nos guiar na
pesquisa da verdade, pois somente Aquele que inspirou apóstolos e profetas a escrever
as mensagens de Deus pode nos capacitar a entender tudo o que é necessário em
nosso preparo para a eternidade.
Referências:
1 Ellen G. White, Testemunhos Para
a Igreja, v. 1,
p. 119, 120.
2 ___________, Evangelismo, p.
256.
3 __________, Mensagens Escolhidas,
v. 1, p. 46.
4 ___________, Evangelismo, p.
257.
5 Gerhard Pfandl, Compreendendo as
Escrituras:
Uma Abordagem
Adventista (Engenheiro
Coelho: Unaspress, 2007), p. 309.
6 Bruce Wilkinson, As Sete Leis do
Aprendizado,
(Belo Horizonte: Betânia, 1998), p. 106.
7 Robert W. Olson, One Hundred and One
Question on the Sanctuary and Ellen White
(Washington, DC: Ellen White State, 1981),
p. 41.
8 Ellen G. White, Testemunhos
Seletos, v. 2, p.
170-179.
9 Gerhard Pfandl, Op. Cit., p. 316.
10 Ellen G. White, Testemunhos Para
a Igreja, v.
2, p. 400.
11 ___________, Conselhos Sobre o
Regime
Alimentar, p. 204, 205.
12 ___________, Mensagens
Escolhidas, v. 1,
p. 57.
13 ___________, Conselhos Sobre o
Regime
Alimentar, p. 382.
14 Ibid., p. 394, 395.
15 Ibid., p. 462, 463.
16 Ibid., p. 394.
17 Ibid.
18 Testemunhos Seletos, v. 3,
p. 359.
19 Conselhos Sobre o Regime
Alimentar, p. 380.
20 Mensagens Escolhidas, v. 3,
p. 51.
Autor: Emilson dos Reis
- Diretor
da Faculdade de Teologia do Centro Universitário Adventista de São Paulo,
Engenheiro Coelho, SP
Fonte: Revista Ministério
– Maio/Junho 2011, págs.
30-32
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