Porque às vezes eu desejaria ser um alcoólatra.
Introdução.
Ao ouvir os discursos dos períodos
de eleições, alguém poderia afirmar que a nova leva de políticos em Washington
resolverá os problemas que essa nação tem enfrentado, ou até mesmo os problemas
do mundo. Uma vez eleito o candidato X, ele ou ela resolverá os problemas do
aquecimento global, a crise na saúde, eliminará a pobreza, ajustará a economia
e unirá um país dividido.
Para dois problemas,
entretanto, nenhum político ousa apresentar soluções: morte e maldade.
Endêmicos à condição humana, esses dois problemas nos acompanharão por toda
nossa vida. São exatamente esses os problemas que o evangelho de Cristo promete
solucionar – não através da política ou ciência, mas através de um projeto que
se iniciou no Gólgota.
A mais compacta exposição das boas novas.
Estudiosos da Bíblia mostram
que o capítulo 3 de Romanos é a mais compacta exposição das boas novas. Antes
de revelar a cura para aqueles dois males, Paulo detalha a impotência da
humanidade em achar solução por conta própria. Como um médico, ele precisa
impressionar seus pacientes com a gravidade da doença antes de apresentar sua
cura.
Três categorias de pecadores.
Sou confrontado com as três
categorias de pecadores apresentadas por Paulo em Romanos 1 e 2.
1ª
– Infratores flagrantes.
Ele começa descrevendo infratores
flagrantes: depravados, assassinos e inimigos de Deus (embora, curiosamente,
ele também mencione os pecados “de todo dia”, como ganância, fofoca, inveja e
desobediência aos pais).
Como seus leitores eram
cidadãos conscientes, presunçosos por sua superioridade moral ante àqueles
depravados, Paulo vira a mesa do jogo no capítulo 2: “Portanto, és indesculpável, ó homem, quando julgas, quem quer que
sejas; porque, no que julgas a outro, a ti mesmo te condenas; pois praticas as
próprias coisas que condenas”.
Posso nunca ter roubado um
banco, mas será que eu já soneguei meus impostos? Ou será que eu fiz alguma
obra em minha casa sem que tivesse licença para fazê-la? Será que já ignorei
uma necessidade por causa de preguiça? Paulo segue a lógica de Jesus
apresentada no Sermão do Monte: homicídio e adultério diferem de ódio e luxúria
apenas por uma questão de grau. Na verdade, a pessoa que comete um mal
flagrante tem uma vantagem peculiar: um giroscópio interno na consciência que
registra a sensação de estar fora de curso.
2ª - Independentes e auto-suficientes
Certa vez, aceitei participar
de um programa de cristãos chamado de Os 12 passos, como os alcoólicos
anônimos. Enquanto falava com os que ali estavam e ponderava acerca do que ia
dizer, finalmente decidi pelo irônico título: “porque às vezes eu desejaria ser um alcoólatra”. Ocorreu-me que
aquilo que levava os alcoólatras a confessarem-se todos os dias – falhas
pessoais, a necessidade diária de graça e ajuda de amigos e de um poder maior –
representa altos obstáculos para aqueles de nós que se orgulham de sua
independência e auto-suficiência.
3ª - Portadores de justiça
própria
Paulo reservou seus
comentários mais contundentes para uma terceira categoria de homens, os
portadores de justiça própria, que em seus dias eram, majoritariamente, judeus
que se orgulhavam por guardar estritamente a lei. Fariseu dos fariseus; Paulo
conhecia muito bem esse título, como atesta em uma de suas cartas. Ele se
refere aos depravados como “eles”, e aos bons cidadãos como “vocês”.
Entretanto, quando ele discursa sobre a justiça própria, usa a primeira pessoa
do plural. “Que se conclui? Temos nós qualquer vantagem? Não, de forma
nenhuma!”.
Nos seus piores dias
concernentes à justiça própria, Paulo perseguiu cristãos e esteve presente no
apedrejamento de Estêvão. Ele sabia dos perigos que acompanhavam aqueles que se
achavam moralmente superiores. Assim como a negação pode fazer com que pessoas
não procurem médicos por causa de um nódulo ou uma lesão cutânea, pondo, assim,
vidas em risco, a negação do pecado pode conduzir a conseqüências ainda
maiores. A menos que aceitemos esse desolador diagnóstico, não encontraremos
cura.
A descrição da confissão de
Paulo sobre sua justiça própria me faz lembrar um incomum esforço de M. Scott
Peck para identificar uma nova desordem psíquica chamada mal. Em seu livro Povo
da mentira, Pack analisa os tipos de maldade e conclui, como Paulo, que os
piores deles são os mais sutis. Todos condenamos abusos infantis – mas o que
dizer sobre pais controladores e manipuladores que trazem conseqüências
devastadoras sobre suas crianças. Pack menciona uma surpreendente
característica da maldade: atitude de se esquivar; intolerância com críticas;
preocupação pública para com sua imagem e com sua respeitabilidade; fraqueza
intelectual.
Conclusão.
Paulo conclui: “Não há um
justo; nem um sequer”. Talvez na passagem mais sombria de toda a Bíblia, ele
fez uma conjunta descrição anatômica deste problema, ao dizer que eles têm:
línguas enganadoras, gargantas como um sepulcro aberto, lábios venenosos, pés
violentos e olhos arrogantes (Rm 3:10-18). Todas essas coisas estabelecem a
magnífica apresentação do Evangelho que começa em Romanos 3:21, a explicação da
justificação somente pela fé, que desencadeou a Reforma Protestante.
A graça de Deus, única solução
para a morte e a maldade, vem sem custos, livre da lei, livre dos esforços
humanos para obtê-la. Para essa livre oferta, nós só precisamos manter abertas
as nossas pobres e necessitadas mãos – o gesto mais difícil para alguém cheio
de justiça própria.
Autor:
Philip Yancey é escritor e jornalista. Formou-se na Columbia Bible College e
obteve dois diplomas de mestrado: um em Comunicação na Escola de Pós-graduação
Wheaton College e outro
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