Israel foi o povo escolhido por Deus. Aos judeus foram confiados a Revelação, a Lei, a Aliança, o Culto e o Sacrifício. Durante séculos, Deus preparou este povo para dele gerar o Messias, o Senhor e Salvador. O que teria acontecido com a liderança religiosa de Israel na época de Jesus? O que teria causado tanta cegueira e antagonismo com relação ao Filho de Deus?
A resposta é simples. Eles se
tornaram tão religiosos que não tinham mais consciência de que precisavam de um
Salvador. Afinal, eles eram escolhidos, estavam no Templo, tinham as Escrituras
e não eram como os demais gentios, pecadores e distantes de Deus.
Precisamos olhar para este desvio
histórico com muito temor, pois algo parecido pode estar acontecendo conosco
vinte séculos depois.
Nós,
evangélicos, nos vemos como um povo escolhido. Somos salvos. Deus fala conosco.
Lemos a Bíblia e, a cada vez que ela fala de pecado, cruz e arrependimento,
entendemos como uma mensagem dirigida aos pagãos. Nós já somos salvos e não
somos como os demais homens, pecadores e distantes de Deus.
Devagar começamos a nos sentir
especiais, bons crentes e não percebemos mais nossas falhas e pecados. Quanto
mais usados por Deus, mais corremos o risco de acharmos que temos tanto crédito
diante do Senhor, que Ele não se importa com nossos pequenos deslizes. A
própria dinâmica da Igreja estimula isto, pois vemos incoerências na vida de
alguns de nossos líderes, mas dizemos: “Ele é tão consagrado e usado por Deus
que não temos o direito de apontar suas falhas”.
Tornamo-nos arrogantes, donos da
verdade, com respostas prontas para tudo, superespirituais, legalistas, mas
tudo isto não passa de uma cortina de fumaça atrás da qual escondemos nossos
erros e pecados. Somos justos, ponto final: não precisamos mais de
quebrantamento e confissão.
A mensagem da Cruz é deslocada do
centro do Evangelho e substituída por uma busca de um “deus” que nos beneficie
materialmente. Sempre mais, sempre melhor, sempre uma novidade para contar. O
discurso se torna maior do que a vida. A fé se torna explicativa, posicional,
persuasiva, discursiva e moralista. Falamos muito de Cristo, mas pouco de
Cristo se vê nos nossos gestos e atitudes. Ministérios se tornam projetos
pessoais de poder e de lucro. A fé vira um negócio.
Nos tornamos parecidos com os
fariseus e os mercadores do Templo.
O
pecado do orgulho espiritual é o coroamento da sutiliza do mal que opera em
nós. Nos comparamos com bandidos e nos achamos santos. Nos tornamos enrijecidos
para pedir perdão e para perdoar. Mesmo surpreendidos em alguma falha, temos
uma capacidade enorme de nos justificar. Para isto, citamos a Bíblia, acusamos
pessoas e o diabo, manipulamos, mas nunca admitimos que estamos errados. Assim
são muitos pastores, maridos, pais e irmãos na fé.
Quanto mais fariseus nos tornamos,
mais sofisticamos nosso discurso teológico e mergulhamos no ativismo, pois
discutir o sexo dos anjos e agitação ministerial se tornam mecanismos de defesa
para que ninguém, nem Deus, se aproxime de nós.
Infelizmente,
os critérios de avaliação da nossa fé são cada vez mais empresariais: liderança
empreendedora, desempenho, sucesso, eloqüência, crescimento numérico, poder
midiático e político. Passamos a viver duas realidades: de um lado a vida
pública, com seus discursos e eventos espetaculares, do outro a vida privada, a
cabeça no travesseiro, os vínculos familiares e relacionamentos afetivos
adoecidos.
Uma
espiritualidade esvaziada de nossa humanidade, que erra, que chora, que se
irrita, que sente raiva, que tem dúvidas, é irreal, hipócrita, fantasiosa,
farisaica... Não há fé cristã senão alinhada com a Cruz. Isto é, quanto mais
espirituais nos tornamos, mais percebemos a dinâmica do pecado nos labirintos
secretos do nosso coração, e, portanto, mais quebrantados nos tornamos.
Santidade não é uma fachada religiosa e moralista, mas um coração em contato
com sua fraqueza. Então a leitura da Bíblia, sob a direção do Espírito, nos
conduz, quebrantados, aos pés da cruz e derramamos lágrimas de arrependimento.
Visitados pela graça perdoadora do Filho, somos acolhidos no terno abraço do
Pai.
É fácil identificar
sacerdotes, mercadores do Templo, escribas, fariseus e saduceus entre nós. É
tempo de começar a admitir que eles estão, acima de tudo, dentro de nós. Que o Senhor tenha misericórdia e nos
salve do orgulho espiritual farisaico.
Osmar Ludovico da Silva, diretor e mentor
espiritual, dirige cursos de espiritualidade, revisão de vida e de pastoreio de
pastores e missionários. Casado com Isabelle e pai de Priscila e Jonathan,
reside em Cabedelo, Paraíba - Revista Enfoque - Edição 56 - EDI / 56
Comentários
Postar um comentário