Chapter two
Romance
na Cumeeira
Nenhum
bom crente, ou boa crente, se levanta de manhã cedo, olha pela janela, e diz:
“Puxa, que dia bonito! Acho que vou sair por aí e cometer adultério”. Não
obstante, há muitos que o fazem. Florence Littauer
Ela era uma mulher extremamente bela, de dezenove anos,
casada havia quatro anos, sem filhos. Agora, havia alguns meses, o seu marido,
de meia-idade, estava fora da cidade, a serviço militar. Uma noite de
primavera, já bem tarde, ela estava se preparando para dormir. Despiu-se para o
banho. O seu cabelo longo, lustroso, negro, caiu suavemente ao redor de sua
faze e de seu corpo – um quadro de beleza caracteristicamente feminina. A Lua
brilhou sobre ela, iluminando as suas formas esculturais. Ela terminou o seu
ritual vespertino particular da higiene pessoal.
Roberta Kells Dorr descreve, em cores vivas, esta cena em
sua novela David and Bathseba:
Bate-Seba
tirou a roupa e entrou na bacia de alabastro que a sua serva Sara havia enchido
com água morna. Ela permaneceu nua na bacia, enquanto a sua serva enchia uma
cuia de água e a derramava sobre ela. Bate-Seba levantou-se sem embaraço,
embora não tivesse nada para cobrir a sua nudez. Sem que ela o soubesse, os
olhos de um homem a estavam observando e... normalmente ele teria olhado para
outro lado, mas foi tudo tão inesperado e era tão lindo, que ele continuou a
olhar. Em crescente admiração, ele absorveu-se na beleza dela, vista apenas
parcialmente através das folhas secas de palmeira. O cabelo dela caia em cachos
úmidos sobre os seus seios redondos, e a sua cintura minúscula acentuava a
agradável curva de seus quadris. Enquanto ele olhava, ela saiu da bacia, e, com
brusco movimento da cabeça, jogou os cabelos para trás, tornando visível a
curva de suas costas. Ele reconheceu que nunca tinha visto algo tão belo ou tão
gracioso em sua vida.
Uma batida suave na sua aporta mudou totalmente os seus
planos para o resto daquela noite e o resto de sua vida.
Um “caso” extraconjugal. Como ele começa; o que faz com
que ele continue; quais são as suas características; e quem são, ao mesmo
tempo, os seus perpetradores e as suas vítimas?
A Bíblia nunca encobre ou omite as falhas humanas. Deus
não escreve biografias humanas como um pai “coruja”. As falhas e loucuras dos
líderes que ele escolheu são identificadas tão claramente quanto os seus
sucessos. Ele não encobre os defeitos deles. As histórias desses líderes mostram
que as tentações hodiernas são tão antigas quanto o homem e que o fracasso faz
parte de cada um de nós. Mas, indubitavelmente, cada caso de infidelidade
conjugal é diferente em muitos detalhes: o contexto geográfico, social e
familiar – a idade, as atitudes e os antecedentes das pessoas envolvidas. Mas
os elementos básicos são os mesmos, especialmente entre crentes professos. E o
caso de Davi e Bate-Seba é tão moderno quanto uma novela de TV.
AS CIRCUNSTÂNCIAS
Aquele dia de primavera era comum em todos os sentidos.
Não há nada no registro bíblico que indique que havia algo de inusitado nas
atividades ou na atmosfera daquele dia. Os mercadores apregoavam as suas
mercadorias, como haviam feito havia séculos; as crianças brincavam nas ruelas
da velha cidade, e as sinagogas ressoavam com as orações do povo, repetidas sem
parar. Israel acabara de atravessar uma série de batalhas contra os sírios, e
estava gozando os frutos de suas vitórias. Reinavam paz e prosperidade. Davi,
procurando alargar os limites de seu reino, havia enviado os seus exércitos
para enfrentar e destruir os amonitas. Quanto ao mais, tudo corria como de
costume. Qualquer coisa que pudesse fazer com que aquela velha cidade vibrasse
e que as suas tradições seculares prosperassem não estava sendo perturbada.
Ninguém suspeitava de algo desastroso naquele dia comum,
e muito menos Davi e Bate-Seba. Nada indicava a terrível cadeia de eventos
desencadeada naquele dia: adultério, gravidez, engano, homicídio, tragédia
familiar e juízo divino. Tudo isso num dia como outro qualquer.
“Eu nunca pensei que isto poderia acontecer-nos, soluçou
uma esposa de pastor, em meu escritório. “As coisas pareciam estar correndo tão
bem, tudo era normal, não havia sinais de perigo – naquela época a nossa igreja
estava crescendo – e foi tão inesperado, tão chocante. O meu marido requereu
divórcio, abandonou o pastorado e juntou-se a essa mulher leviana que já se
divorciara três vezes”.
“Tudo bem”, “normal”, “nenhum sinal”, “igreja crescendo”,
“inesperado”. Estas não são palavras de surpresa. Tudo parece bem. Não há
razões para se suspeitar de uma tragédia. O trabalho está indo bem. Deus parece
estar operando. A família está em paz. E então, sem nenhum sinal de
advertência... a bomba!
Jose, com cerca de vinte anos de idade, tinha grande
responsabilidade na casa de Potifar. Ele gerenciava todos os assuntos
domésticos de seu patrão e todos os seus negócios. Tudo estava correndo
normalmente: as plantações produzindo, os rebanhos se multiplicando. Aquele
simpático jovem administrava tudo sem percalços. Deus o fazia prosperar.
E então, um dia – em nada especial – enquanto ele estava
“cuidando de seu trabalho”, uma mulher começou a olhá-lo de maneira
significativa, sugerindo sedutoramente: “José, venha dormir comigo”!
Ao se levantar naquela manhã, José nunca sonharia que
naquele dia – outro dia normal de trabalho – ele receberia um convite
apaixonado para um “caso”, sofreria chantagem e seria levado para a prisão.
Eu também não tinha suspeitas. Eu acabara de chegar a uma
cidade de Michigan, para começar uma série de reuniões na igreja, naquele
domingo. Era uma comunidade pequena, insípida, um povo comum, sem sofisticação.
Naquela noite de sábado, n recepção de apresentação, uma senhora da igreja
sentou-se ao meu lado. Ela estava longe se ser cativante ou bonita. Uma simples
Maria: não tinha personalidade cintilante, era um pouco gorda, um tipo de
dona-de-casa comum.
Durante um momento trocamos cumprimentos. Em seguida, de
maneira trivial, ela me estendeu um pedaço de papel com o seu endereço e número
de telefone.
“Pensei que você poderá sentir-se solitário, enquanto
estiver aqui. Se quiser passar por lá uma destas tardes, telefone-me. O meu
marido estará ausente a semana inteira, trabalhando em Detroit. O último orador
que tivemos aqui na igreja visitou-me várias vezes; acho que você vai gostar de
ir também”. Nada sutil ou expressivo,
astuto ou pudico, mas casual como oferecer-se um copo de água, e aparentemente,
sem maiores consequências.
Os “casos” não começam com o piscar de luzes vermelhas de
advertência. O dia não começa com nuvens negras e agourentas, avisos de
furacão, uma intranquilidade interior ou uma voz do céu que diz: “Reforce as
suas defesas; a tentação está se aproximando”. O furacão que destruiu o prédio
em que estava o meu escritório, há vários anos atrás, apresentou-se
inesperadamente, em um belo dia de primavera, veio rugindo como um avião a
jato, e deixou tudo torcido, quebrado e em frangalhos. E a primavera continuou.
Assim também vem a tentação. Quando? Em um dia como os outros.
OS CARACTERES
Creio que aquele “caso” aconteceu quase como uma
surpresa, tanto para Davi como para Bate-Seba. Nenhum dos dois planejara aquilo
uma hora antes de acontecer. Não foi o resultado de um namoro ou de uma
cumplicidade voluptuosa. Davi era um homem segundo o coração de Deus, e
Bate-Seba, uma esposa fiel ao seu marido, corajoso e patriota. Davi estava
vindo de um período de prosperidade e fama. Em numerosas batalhas ele fora
vitorioso; ele havia destruído oitenta e sete mil inimigos e capturado vinte e
dois mil. E todas essas vitórias eram confirmação da presença de Deus com ele e
da promessa de Deus de lhe dar uma dinastia perene. “E o Senhor ia concedendo
vitórias a Davi por onde quer que ele passasse”.
Haviam acabado de ser pronunciadas as promessas de Deus:
“Eu escolhi você... tenho estado com você...Você será contado entre os homens
mais famosos do mundo! ... A família de Davi governará o meu povo para sempre”.
“Ó Senhor Deus! por que derramou suas bênçãos justamente sobre este teu servo
de família tão insignificante?... Essa bondade está longe da compreensão
humana!... Toda a honra seja dada ao Senhor... Pois o Senhor é Deus, e
verdadeiras são suas palavras”.
Pouco antes ele saíra de sua rotina, para cumprir os seus
votos a Jônatas, e havia restaurado, aos herdeiros dele, toda a terra
anteriormente de propriedade de Saul. O filho aleijado de Jônatas fora
convidado a morar no palácio, como membro da própria família de Davi. Sem
nenhum acanhamento, Davi dançara diante da Arca do Senhor, à vista de toda a
cidade, celebrando louvores a Deus. “Não me importa que aos seus olhos eu não
seja bem-visto: continuarei dançando, em louvor ao Senhor”, disse ele. “Davi
foi um rei justo e estimado por todo o povo de Israel”. Portanto, aqui está
Davi, um homem de grande coragem, generosidade e bondade, justo e reto em seus
atos, dedicado a Deus e cheio de louvor e ação de graças. Dificilmente poderia
ser considerado candidato a um desastre pessoal.
INOCENTE
Segundo todas as aparências, tanto Davi como Bate-Seba
estavam inocentes. Nenhum dos dois se envolveu em qualquer atividade que
pudesse ser interpretada como encorajadora de infidelidade ou transigência para
com o pecado. Bate-Seba ocupou-se com a inocente tarefa de tomar um banho
vespertino. Nada há de sensual nisso. Ela não estava expondo os seus encantos
femininos com o intuito de seduzir. Não era uma prostituta barata nem uma
cortesã; e também não era uma sereia ardente e ardilosa. Simplesmente uma
esposa fiel preparando-se para uma noite de sono.
E Davi? Provavelmente com trinta e nove anos de idade,
ele não era um homem sexualmente frustrado, um macho inquieto, a espreitar nas
sombras da noite. E também ele não era um homem sexualmente faminto, rondando
como um animal no cio. Nessa época, ele tinha já mais de sete esposas e várias
concubinas à sua disposição. Ele já gerara dezessete filhos. Assim sendo,
dificilmente se poderia dizer que estava procurando uma nova conquista sexual
para evidenciar a sua virilidade. Ele experimentara o que qualquer um pode
experimentar de vez em quando: uma noite insone. Eu tenho tido muitas. Você
também. Uma noite em que os pensamentos parecem correr e pular como cabritos
selvagens, recusando-se a se acalmarem. Talvez ele estivesse pensando em suas
tropas que estavam sitiando a cidade de Rabá. Ou em algum outro problema de
Estado.
Mas ainda não era tarde quando Davi levantou-se da cama e
foi dar uma volta no terraço do palácio – para analisar o seu problema, para
resolver a sua luta contra a insônia. Desinteressadamente, ele olhou em várias
direções, notando que a cidade estava dormindo melhor do que ele. Ali perto, os
seus olhos foram atraídos por uma pequena luz, que se filtrava através de
postigos parcialmente fechados. Ele olhou rapidamente uma vez, duas – depois os
seus olhos se fixaram ali. Uma bela jovem estava tomando o seu banho
vespertino. Até esse ponto, tudo era inocente e ninguém deve ser culpado.
O Mito da Grama Mais Verde de J. Allan Petersen, 4ª
Edição/ 1990, Juerp, págs. 21-27.
Comentários
do Nelson
A história de Davi e Bate-Seba é uma das muitas histórias
bíblicas que ferem a ortodoxia (formalismo radical) e o farisaísmo evangélico
de muitos irmãos mais conservadores. Como pode um homem, que não era somente
rei, mas um líder espiritual cometer tal desatino? Logo de um homem segundo o
coração de Deus (Atos
13:22)? Como é que uma história dessas pode figurar na Bíblia?
Mas ser cristão significa acreditar que “toda a Escritura é divinamente
inspirada, e proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para
instruir em justiça” (2 Timóteo 3:16). Então, se foi da vontade de Deus que ela fizesse parte do Cânon Sagrado,
certamente é porque Deus tem algo a nos ensinar; mais ainda, tem haver com
nossa salvação. Como assim? Aprendendo a
não fazer o que fez Davi, ou seja, agindo de forma contrária. Nunca se esqueça
disso: “Só existe um problema em comprometer os mandamentos de Deus: Deus está sempre certo”.
Comentando o texto
“Portanto, aqui está Davi, um homem de grande coragem,
generosidade e bondade, justo e reto em seus atos, dedicado a Deus e cheio de
louvor e ação de graças. Dificilmente poderia ser considerado candidato a um
desastre pessoal”.
Louvo a Deus pelo fato de ter colocado em nossas mãos a
Sua palavra – as Santas Escrituras. É de Deus a seguinte citação: “Assim, aquele que julga estar firme,
cuide-se para que não caia!” ( 1 Coríntios 10:12 –
versão NVI).
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