Um ex-legalista reflete
sobre lei, perfeição e adventismo
Por George R. Knight, Ed.D
Historiador e ex-professor de História da Igreja na Andrews University
Historiador e ex-professor de História da Igreja na Andrews University
Resumo: Neste artigo o autor
narra sua experiência pessoal em busca da perfeição, anteriormente
entendida por ele como um cumprimento minucioso de inúmeras regras
comportamentais. De forma criativa e bem-humorada, ele demonstra a
incoerência da teoria perfeccionista, que enfatiza as realizações humanas
em detrimento da graça divina. Segundo ele, o conceito legalista sobre
perfeição mantido por muitos adventistas baseia-se em uma interpretação
equivocada de Apocalipse 14:12, que caracteriza o povo de Deus no
tempo do fim como aqueles que “guardam os mandamentos de Deus”. O autor
argumenta que, no conceito bíblico, a perfeição cristã consiste
em amor altruísta e alegre relacionamento com Deus e o próximo.
Portanto, a demonstração final de Deus ao Universo será uma revelação de
seu amor.
A coisa
mais importante que você pode saber sobre mim é que eu costumava ser
perfeito1. Note o tempo passado – eu costumava ser perfeito em um sentido
em que agora não sou perfeito.
Por que
eu era perfeito? Eu era perfeito porque eu era um adventista do
sétimo dia. Eu era perfeito porque Jesus viria logo. E, honestamente,
• Eu queria a fé da trasladação,
• Eu queria o caráter da trasladação,
• Eu queria a perfeição da trasladação.
• Eu queria a fé da trasladação,
• Eu queria o caráter da trasladação,
• Eu queria a perfeição da trasladação.
Converti-me
do agnosticismo para o adventismo do sétimo dia com a idade de
dezenove anos. Depois de me tornar adventista, olhei para minha igreja,
seus membros e seus pregadores, e concluí: Que confusão! Vocês não têm
atingido o objetivo. Logo raciocinei que eles tinham falhado em ser
perfeitos porque não haviam tentado o suficiente. Eu seria diferente.
Eu não falharia. Eu tentaria mais do que qualquer um deles já tentou. Na
ocasião eu estava trabalhando na estrutura metálica da construção de altos
edifícios sobre a Baía de San Francisco. Ainda me lembro que um dia,
muito acima da baía, eu estava meditando sobre a perfeição. Foi então que
conscientemente decidi e verbalmente me comprometi a ser o primeiro
cristão perfeito desde Cristo – e quero dizer exatamente isso. Eu era
desesperadamente sincero. Mas esse pensamento continuou em minha mente,
por vários anos.
A Raiz da
Fascinação Adventista com a Perfeição
A
abordagem adventista sobre ser perfeito começa no livro
do Apocalipse, nos importantes textos em que os adventistas vêem
retratados a si mesmos e seu movimento. O próprio enfoque de vários desses
textos nos aponta na direção do
comportamento. “O dragão”, lemos, “irou-se contra a mulher e foi fazer guerra ao resto da sua semente, os que guardam os mandamentos de Deus” (Ap 12:17)2.
comportamento. “O dragão”, lemos, “irou-se contra a mulher e foi fazer guerra ao resto da sua semente, os que guardam os mandamentos de Deus” (Ap 12:17)2.
E então,
é claro, há o interesse adventista no grandioso texto de Apocalipse 14. Note a
progressão: A mensagem do primeiro anjo, iniciada por Guilherme Miller nas
décadas de 1830 e 1840, declara que “é chegada a hora do seu juízo”
(v. 6, 7). A mensagem do segundo anjo, pronunciando a queda de Babilônia
(v. 8), foi iniciada em 1843 por Charles Fitch. Então, surge a
decisiva terceira mensagem contra a adoração do poder da besta. Os
adventistas têm focalizado especialmente o verso 12: “Aqui está a
paciência dos santos, os que guardam os mandamentos de Deus e a fé de
Jesus” (ARC). Essa passagem tornou-se o texto-chave no adventismo do
sétimo dia. Por quase cem anos ele foi citado integralmente sob o
cabeçalho de cada edição da Review and Herald. Apocalipse 14 retrata
a mensagem do terceiro anjo como a última antes do retorno de Cristo
para “ceifar” a Terra (v. 14-20).
Os
primeiros adventistas do sétimo dia eram hábeis em pregar a primeira parte
de Apocalipse 14:12: “Aqui está a perseverança dos santos”. Nesse
versículo, víamos a nós mesmos como aqueles que ainda estavam esperando
pela vinda de Jesus, depois do desapontamento de 1844.
E nós
adventistas amamos a segunda parte de Apocalipse 14:12: Aqui estão “os que
guardam os mandamentos de Deus”. Ah, eu lhe digo, nós adventistas amamos
os mandamentos. Se você vir as primeiras publicações adventistas (e provavelmente
algumas de hoje), notará que a ênfase estava sempre na
palavra guardar. E essa é uma boa ênfase no contexto de um relacionamento
salvífico com Cristo. Aqui estão “os que guardam os mandamentos de Deus”.
Mas os
primeiros adventistas não tinham muita certeza sobre o que fazer com
“a fé de Jesus”, a terceira parte de Apocalipse 14:12. Eles
interpretavam “a fé de Jesus” como um conjunto de verdades que
deveriam ser obedecidas. Como resultado, nossos primeiros escritores – Tiago
White e quase todos os outros diziam: “Deus tem seus mandamentos. E
Jesus também tem seus mandamentos, tais como o batismo, o lava-pés e
assim por diante.” Eles desenvolveram uma lista completa de mandamentos de
Jesus. Como resultado, os adventistas se tornaram o povo “mandamento sob
mandamento”, focalizando não apenas os mandamentos de Deus, mas
também os mandamentos de Jesus. Éramos (e somos) grandes
empreendedores 3.
“A fé de
Jesus” é a porção de Apocalipse 14:12 que Ellen G. White e outros
reinterpretaram em Mineápolis em 1888 para enfatizar “fé
em Jesus”.4 O texto pode ser traduzido como “fé em Jesus” ou “fé
de Jesus”. Muitos adventistas do sétimo dia, ao ler o texto como “fé
de Jesus”, têm a tendência de sugerir que o verso está dizendo que
podemos ter fé exatamente da maneira como Jesus tinha fé. Assim podemos
ser tão absolutamente impecáveis como Ele era absolutamente impecável.
Essa
interpretação provavelmente foi encorajada pelos primeiros
cinco versos de Apocalipse 14. Diz o verso 1: “Olhei, e eis o
Cordeiro em pé sobre o monte Sião, e com Ele cento e quarenta e quatro mil,
tendo na fronte escrito o seu nome e o nome de seu Pai”. E os versos
4 e 5: “São estes os que não se macularam com mulheres, porque são
castos. São eles os seguidores do Cordeiro por onde quer que vá” – não
apenas em parte do caminho, mas por todo o caminho. “São os que foram
redimidos dentre os homens, primícias para Deus e para o Cordeiro; e não
se achou mentira na sua boca; não têm mácula.” Ora, essa é uma norma
muito elevada, certo? Eles “não têm mácula”, ou como diz a King James
Version, “eles são sem falta diante do trono de Deus”. Ora, eu
chamaria a a essas pessoas “perfeitas”. E não é difícil ver por que muitos
adventistas do sétimo dia pensavam dessa maneira sobre o assunto da perfeição.
Afinal, Apocalipse 12 e 14 são textos fundamentais para a identidade da
denominação.
Todos
sabemos que temos uma espécie de perfeição por meio da justificação pela
fé porque estamos em Cristo. Mas esses textos de Apocalipse 14
despertam a pergunta: É suficiente a justificação pela fé, ou devemos
ser impecavelmente perfeitos para fazer parte dos 144 mil? E se há
algo mais do que justificação, o que deve ocorrer dentro de nós? Essa
questão tem dividido os adventistas do sétimo dia por um século. O
que deve ocorrer no povo de Deus do tempo do fim?
Antes de
prosseguirmos, devemos notar o importante desenvolvimento de
Apocalipse 14. Temos os 144 mil, o primeiro anjo, o segundo anjo, o
terceiro anjo, e imediatamente após o terceiro anjo o grande drama da segunda
vinda – a ceifa. Lemos nos versos 14 e 15: “Olhei, e eis uma nuvem branca,
e sentado sobre a nuvem um semelhante a filho de homem, tendo na
cabeça uma coroa de ouro e na mão uma foice afiada. Outro anjo saiu
do santuário, gritando em grande voz para Aquele que se achava
sentado sobre a nuvem: Toma a tua foice e ceifa, pois chegou a hora
de ceifar, visto que a seara da terra já amadureceu.”
Os
adventistas têm desejado sinceramente estar prontos para a vinda de Jesus. E
eles não têm apenas a Bíblia para encorajá-los a respeito
da perfeição de caráter, mas têm também os escritos de Ellen G.
White. Aqui está uma das suas mais impressionantes declarações: “Cristo
aguarda com fremente desejo a manifestação de si mesmo em sua igreja.
Quando o caráter de Cristo se reproduzir perfeitamente em seu povo, então virá
para reclamá-los como seus”.5 A passagem então imediatamente
muda para a cena da colheita. Em muitos sentidos esse texto de Ellen
G. White é paralelo ao progresso e desenvolvimento dos eventos de Apocalipse
14.
O
conceito-chave nesta citação de Parábolas de Jesus é reproduzir
perfeitamente o caráter de Cristo. Infelizmente, quando os adventistas do
sétimo dia lêem expressões como “reproduzir-se perfeitamente”, eles
têm a tendência de se tornarem um tanto emocionais. Isso aconteceu
comigo quando as li pela primeira vez. Fiquei entusiasmado tanto com a
magnificência, quanto com a possibilidade da missão e promessa.
Não sei
se você já viu alguém que é perfeito. Às vezes, fecho os olhos
e visualizo algumas das pessoas perfeitas que conheço. Neste
momento, me lembro de uma dessas pessoas. Ela está muito satisfeita
porque obteve a vitória sobre o queijo. Agora lembro-me de outra pessoa.
Essa é um fariseu do primeiro século. Esse indivíduo é realmente
“religioso”. Ele sabe exatamente qual é o tamanho da rocha
que pode carregar no dia de sábado e a que distância ele pode levá-la sem cometer pecado. Ele reduz a justiça a algumas fatias muito estreitas de “religião”. Está convencido de que com essa dedicação aos detalhes do estilo de vida logo ele será perfeito.
que pode carregar no dia de sábado e a que distância ele pode levá-la sem cometer pecado. Ele reduz a justiça a algumas fatias muito estreitas de “religião”. Está convencido de que com essa dedicação aos detalhes do estilo de vida logo ele será perfeito.
Há também
aqueles que parecem ser perfeitos devido à reforma de saúde. Em uma
pequena igreja adventista de trinta membros, há um ancião que está
disposto a levar os emblemas da santa ceia (ou cerimônia da comunhão)
àqueles que não puderam ir à igreja. Mas não participará dos emblemas com
eles, porque isso seria comer entre as refeições. Eu me pergunto: o
que significa “comunhão” para esse ancião?
A mesma
congregação tem um homem de quase dois metros de altura que pesa
apenas 59 quilos. Ele conseguiu tremendas vitórias sobre o apetite enquanto
caminhava na direção de ser “perfeito como Cristo”. Até mesmo se convenceu
de que é errado comer cereais como trigo e aveia. Como resultado,
infelizmente, ele sente um intenso desejo de comer coisas estranhas. Toda
quinta-feira ele “cai em tentação” e come dois pedaços de lazanha de
berinjela. Esse homem, aos seus próprios olhos, está avançando no
caminho para a “verdadeira perfeição”. Quando uma pessoa diz que sua mais “pecaminosa
atividade” é comer dois pedaços de lasanha de berinjela por semana,
ela deve estar fazendo progresso. Esse indivíduo deve ser quase
perfeito, ao menos segundo seu entendimento de “perfeição”.
Há um
outro santo nessa mesma pequena igreja que tinha um ferimento. Uma pessoa
normal teria levado três semanas para curar-se. Mas essa “reformadora de
saúde” ainda não estava curada depois de seis semanas por causa das
deficiências dietéticas. Esse foi o resultado de sua reforma de saúde. Ellen
G. White rotulou tal dedicação em seus dias como “deforma de saúde”6.
Alguns
adventistas do sétimo dia têm caminhado em estranhas direções em sua
busca de perfeição de caráter. Talvez isso seja porque alguns de
nós não temos a mais leve idéia do que seja caráter. Nem temos a
mínima noção do que Ellen G. White queria dizer por caráter de
Cristo.
Meu
Caminho para a Perfeição
A
passagem de Parábolas de Jesus que eu citei acima teve um grande
impacto sobre minha própria experiência adventista. Logo depois de me
tornar adventista do sétimo dia, algum querido irmão mostrou-me essa
passagem. E foi depois de ler que Cristo só viria quando seu caráter
estivesse perfeitamente reproduzido em seus filhos que
eu conscienciosamente decidi que seria o primeiro cristão perfeito
desde Cristo. Imediatamente segui em minha busca. Como resultado,
dentro de algumas semanas, eu podia dizer o que estava errado em
quase tudo.
• Eu podia dizer o que estava
errado em qualquer coisa que você desejasse comer.
• Eu podia dizer o que estava
errado em qualquer coisa que você desejasse assistir.
• Eu podia dizer o que estava
errado em quase qualquer coisa que você desejasse fazer.
• E eu podia dizer o que
estava errado em quase tudo o que você desejasse pensar.
Em minha
própria e rigorosa abordagem da alimentação, eu baixei de 75 quilos
para aproximadamente 56 quilos em cerca de três meses. Alguns temiam
que eu morresse de “reforma da saúde”.
• E eu quero que você saiba
algo. Em minha luta pela perfeição, eu me tornei perfeito. Realmente.
• Eu era o perfeito fariseu
segundo a ordem de Saulo antes da estrada de Damasco.
• Eu era o perfeito monge
segundo a ordem de Martinho Lutero antes de descobrir o evangelho em
Romanos.
• Eu era o perfeito metodista
segundo a ordem do combatente e esforçado John Wesley antes de sua experiência
de conversão em Aldersgate.
Como
posteriormente descobri, meu caminho para a perfeição tinha sido
bem trilhado antes de mim. Isto me leva ao paradoxo da perfeição.
Aqueles dentre vocês que conhecem alguém “perfeito” reconhecerão o paradoxo.
Alguns terão passado por esse caminho, e em muitas congregações
encontro pessoas ainda percorrendo-o, ou, pior ainda,
pessoas tentando conviver com alguém que está tentando atravessá-lo.
O
paradoxo de minha perfeição era que quanto mais pensava acerca de mim
mesmo e minha perfeição, mais egocêntrico me tornava. Não somente me
tornava egocêntrico, mas quanto mais lutava e tentava, mais crítico me
tornava para com aqueles que não haviam alcançado o meu “alto
nível”. Não era apenas crítico ou intolerante, mas quanto mais
“perfeito” me tornava, mais áspero eu era com os outros que não haviam igualado
minha “condição superior”. E mais negativo me tornava para com a
igreja e outros que não eram tão “puros” ou “consagrados” como eu.
Resumindo,
quanto mais eu tentava, pior eu ficava. Esse era o paradoxo da minha
perfeição. Em meu esforço para reproduzir perfeitamente o caráter de
Cristo, eu havia mais de perto imitado o caráter do diabo. Para dizer o
mínimo, tornei-me uma pessoa de difícil convivência. As pessoas se
tornavam um problema em minha vida enquanto eu procurava imitar
o caráter do Salvador. Afinal, as pessoas eram um obstáculo ao meu rigor
na alimentação. E interferiam em minha refletida hora de meditar
sobre Cristo cada dia. As pessoas dificultavam meu avanço para a
perfeição.
Infelizmente,
há uma forma de perfeição que leva ao próprio egocentrismo do pecado. Há
um caminho para a perfeição que é o caminho da morte. Há um caminho
para perfeição que é destrutivo, e muitíssimos adventistas têm seguido esse
caminho para supostamente reproduzir o caráter de Cristo. É a trilha
errada. É a estrada artificial, construída pelo homem.
Em minha
frustração com minha igreja e comigo mesmo, eu entreguei minhas
credenciais ministeriais. Mas o presidente de minha associação, vendo
minha perplexidade e querendo “salvar-me para a obra”, viajou comigo em um
passeio de carro por quase quinhentos quilômetros para que pudesse me
aconselhar, me encorajar e devolver minhas credenciais. Eu não pude me
livrar delas. Entreguei-as uma segunda vez, e elas retornaram novamente. Na
terceira vez eu escrevi uma carta cuidadosamente redigida contando ao
presidente da minha associação como eu me sentia. Obtive o resultado
desejado. As credenciais não voltaram.
Minha
vida como ministro adventista havia acabado. Tanto quanto me dizia
respeito, eu havia terminado como adventista e como cristão. Durante seis
anos não orei nem li a Bíblia a menos que fosse forçado a fazer isso
em público. Estudei filosofia para descobrir uma resposta mais adequada
para o significado da vida, somente para encontrar sua falência a
respeito das questões reais. Perto
do final de meus anos em uma “terra distante”, cheguei à conclusão de que se o cristianismo não tivesse a resposta, não existia uma resposta. Essa foi uma das conclusões mais assustadoras da minha vida.
do final de meus anos em uma “terra distante”, cheguei à conclusão de que se o cristianismo não tivesse a resposta, não existia uma resposta. Essa foi uma das conclusões mais assustadoras da minha vida.
Então, no
início de 1975, Deus estendeu a mão e me tocou. Ele disse: “George, você
tem sido um adventista, mas não tem sido um cristão. Você tem conhecido todas
as doutrinas, mas não tem conhecido a Mim.” A essa altura, passei por
minha própria crise de 1888. Encontrei a Jesus, e meu adventismo foi
batizado, tornando-se cristianismo.
A
tragédia para mim, para aqueles que tinham de viver comigo e para aqueles
semelhantes a mim, é que muitas dessas situações poderiam ter sido
evitadas se houvéssemos sido mais fiéis em nossa leitura das declarações
inspiradas. Tivesse eu simplesmente lido o contexto de muitas das
minhas declarações favoritas, eu teria sido salvo dos erros mais graves da
minha vida.
O Caminho
Divino para a Perfeição
Com muita
freqüência, temos distorcido a Bíblia e os escritos de Ellen G. White. Uma
maneira de fazer isso é não ler as declarações em seu contexto. Tiramos as
citações do contexto, tais como aquela de Parábolas de Jesus sobre
reproduzir perfeitamente o caráter de Cristo. Então nos dirigimos a
tais livros como Conselhos Sobre o Regime Alimentar ou Mensagens
aos Jovens, e removemos mais um grupo de citações. Em seguida as
ligamos com a passagem de Parábolas de Jesus de tal forma que criamos
uma teologia que nem mesmo Deus reconheceria.
Sempre
leia o contexto.7 Descubra o que o autor inspirado está
dizendo, quer seja o autor Paulo ou Pedro ou João ou Ellen G. White.
Que diferença o contexto pode fazer em nossa compreensão e em nossa vida.
Por exemplo, vejamos o contexto de nossa declaração do livro
Parábolas de Jesus sobre reproduzir perfeitamente o caráter de
Cristo. Nos parágrafos imediatamente precedentes, lemos:
Cristo
procura reproduzir-se no coração dos homens; e faz isto por intermédio daqueles
que nele crêem. O objetivo da vida cristã é a frutificação – a
reprodução do caráter de Cristo no crente, para que se possa reproduzir em
outros…. Na vida que se centraliza no eu não pode haver crescimento nem frutificação.
Se aceitastes a Cristo como Salvador pessoal, deveis esquecer-vos e
procurar auxiliar a outros. Falai do amor de Cristo, contai de sua
bondade. Cumpri todo dever que se vos apresenta. Levai sobre o coração o
peso da salvação das pessoas. … Recebendo o Espírito de Cristo – o
espírito do amor abnegado e do sacrifício por outrem – crescereis e produzireis
fruto. As graças do Espírito amadurecerão em vosso caráter. Vossa fé
aumentará; vossas convicções aprofundar-se-ão, vosso amor será mais
perfeito. Mais e mais refletireis a semelhança de Cristo em tudo que
é puro, nobre e amável.”8
A seguir,
ela diz que “quando o caráter de Cristo se reproduzir perfeitamente em seu
povo, então virá para reclamá-los como seus”. 9 Reproduzir
perfeitamente o caráter de Cristo é refletir o seu amor. O caráter de
Cristo centraliza-se em compassivo relacionamento.
Com muita
freqüência os adventistas têm olhado para a religião como algo negativo,
mas cristianismo não é o que não fazemos. Ninguém será salvo pelo que
evitou. O cristianismo é positivo em vez de negativo. O verdadeiro
cristianismo é uma religião que nos livra da preocupação com nós
mesmos e a luta para ganhar a salvação de sorte que podemos amar
verdadeiramente ao nosso próximo, ao nosso Deus, aos nossos irmãos,
à nossa esposa, ao nosso esposo, aos nossos filhos, e assim por
diante.
Essa foi
a grande mensagem de Jesus. “Portanto, sede vós perfeitos”, proclamou
Ele, “como perfeito é o vosso Pai celeste” (Mt 5:48). Remova esse
texto do seu contexto, e você pode transformá-lo em algo que a Bíblia
jamais disse. Leia-o no contexto, e você descobrirá o que Jesus estava
tentando ensinar. Começando no versículo 43, essa passagem ensina que
Deus ama a todos. Ele faz com que a chuva caia e o sol brilhe sobre
bons e maus, justos e injustos. Jesus está dizendo que devemos ser
perfeitos ou maduros em amor aos outros como nosso “Pai celestial
é perfeito” em seu amor por nós. Por favor, lembre-se que Cristo morreu
por você enquanto você era ainda seu inimigo (Rm 5:6, 10).
Você pode
amar como Deus amou? Isso é maturidade cristã ou perfeição cristã. E
se você não crê nisso, compare Mateus 5:48 com Lucas 6:36. Lucas 6:27-36 é uma
passagem paralela a Mateus 5:43-48. Ambas lidam com o amor aos
inimigos, e ambas concluem com a declaração de que os cristãos devem
ser semelhantes a Deus. Mas a passagem de Lucas não diz:
“Portanto, sede vós perfeitos”, mas “sede misericordiosos, como também é
misericordioso vosso Pai” (Lc 6:36). Os evangelistas igualaram com misericórdia
a afirmação de Cristo sobre perfeição.
Para
compreender melhor esse assunto, precisamos voltar a Mateus 25:31-46
e à cena do grande julgamento das ovelhas e dos cabritos.
Essa é
uma passagem muito interessante. Leia-a hoje para você mesmo, e conte os
pontos de interrogação. Note a grande surpresa que é experimentada no
juízo. Por um lado, Jesus diz a um grupo: “Entrai em meu
reino”. Segundo a parábola, eles dizem: “Senhor, como fizemos isto? Não
somos como aqueles fariseus. Não passamos toda a nossa vida
preocupados com a multidão de faz e não faz.” Jesus responde: “Vocês
não compreendem. Quando estive faminto, me alimentaram. Quando estive na
prisão, vocês me visitaram. E quando estive sedento, me deram de beber.”
Eles
voltam a perguntar: “Espere um minuto. Como pode ser isto? Nunca te vimos
ou alimentamos.” “Mas”, responde Jesus, “se vocês fizeram isso a um
destes meus pequeninos irmãos, vocês fizeram a mim.” A essa altura
o outro grupo está realmente se tornando agitado. Há um bom número de
fariseus nesse segundo grupo, indivíduos que têm dedicado toda a sua vida
a observar a multidão de detalhes sobre a lei. “Espere um segundo,
Senhor”, exclamam eles, “guardamos o sábado. Realmente guardamos o
sábado. Tínhamos umas 1.500 leis e normas e regulamentos concernentes ao sábado,
e guardamos todos eles. E não somente guardamos o sábado; pagamos o
dízimo rigorosamente. Éramos tão escrupulosos que dizimávamos cada
décima folha de nossas pequenas hortelãs. E
tínhamos uma boa dieta. Senhor, tens de salvar-nos. Nós merecemos isto.”
tínhamos uma boa dieta. Senhor, tens de salvar-nos. Nós merecemos isto.”
“Bem”,
responde Jesus, “há apenas um problema. Quando estive na prisão, vocês não
pareciam se preocupar. Quando estive faminto, onde estavam vocês?” “Senhor”,
eles respondem rapidamente, “se soubéssemos que eras tu, certamente
teríamos estado lá.” “Mas”, Jesus responde, “vocês não compreenderam. Não
assimilaram o princípio do meu reino. Vocês não assimilaram o grande
princípio
do amor. E se vocês não têm isso, não serão felizes em meu reino.”
do amor. E se vocês não têm isso, não serão felizes em meu reino.”
Mateus 25
é muito explícito sobre o fato de que o juízo gira em torno de uma questão
específica. Mas se você precisa de mais ajuda, tente O Desejado de
Todas as Nações. Ellen G. White diz isso tão claramente como as palavras
podem expressar. “Assim”, escreve ela depois de citar Mateus 25,
descreveu
Cristo aos discípulos, no Monte das Oliveiras, as cenas do grande dia
do Juízo. E apresentou sua decisão como girando em torno de um ponto.
Quando as nações se reunirem diante dele, não haverá senão duas classes, e
seu destino eterno será determinado pelo que houverem feito ou
negligenciado fazer por Ele na pessoa dos pobres e sofredores.10
Se as
pessoas não estão transmitindo o amor de Deus ao seu próximo, é
porque
não o têm. Se as pessoas têm o amor de Deus no coração, não há nenhuma
maneira em que ele possa ser reprimido. Ele encontrará expressão.A
expressão do amor divino por aqueles a quem Jesus ama é o
importante critério no grande julgamento final Deus quer que todos os
que estiverem no Céu sejam felizes lá. E os que serão felizes são
aqueles que renunciaram ao princípio do amor egoísta e auto-suficiência
(pecado) e permitem que Deus implante no coração e na vida o
grande princípio de sua LEI.
O novo
nascimento inclui a mudança na vida de uma pessoa do egoísmo e egocentrismo
(pecado) para altruísmo e amor ao próximo (os princípios da LEI).
Santificação é meramente o processo de alguém tornar-se mais amoroso. O
retrato bíblico de perfeição é tornar-se maduro em expressar o amor de
Deus. Tais pessoas estão formando um caráter semelhante ao de Cristo,
porque “Deus é amor” (1Jo 4:8). Sobre essas pessoas, é certo que
serão salvas para a eternidade.
A
Demonstração Final de Deus ao Universo
Esse
pensamento nos conduz ao assunto da demonstração final de Deus ao
Universo. Em Parábolas de Jesus lemos que “a última mensagem de graça
a ser dada ao mundo, é uma revelação do caráter do amor divino”. 11 A
demonstração final ao universo do que a graça pode fazer na vida humana
será uma demonstração do poder de Deus em transformar
indivíduos egoístas em pessoas que amam a Deus e à humanidade. A
demonstração final não é alguém retratar uma pessoa que finalmente
alcançou a vitória sobre pizza quatro queijos, refrigerantes,
ou algum artigo de alimentação ou comportamento. A grande
demonstração ao universo trata com a reprodução do caráter de Cristo.
Um dos
grandes textos do Novo Testamento atinge o âmago da questão. “Nisto”,
disse Jesus, “conhecerão todos que sois meus discípulos”, se guardardes o
sábado. “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos”, se devolverdes o
dízimo. “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos”, se
tiverdes uma alimentação adequada.
Inúmeros
adventistas lêem o Novo Testamento como se ele estivesse dizendo esse tipo
de coisas. Mas, em realidade, Jesus disse: “Nisto conhecerão todos que
sois Meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13:35). O amor
não é apenas o único ponto em torno do qual gira o juízo, é também o
ponto pelo qual Jesus identifica seus discípulos. Ser seguidor de
Cristo é ser alguém que
ama a Deus e aos semelhantes.
ama a Deus e aos semelhantes.
Inúmeros
adventistas passam por alto esse ensino fundamental do
Novo Testamento. Muitíssimos têm as normas, regulamentos e leis, mas
negligenciam o grande princípio que constitui o fundamento da lei de
Deus. Muitos, em sua luta pela perfeição, trabalham ao nível de
pecados e leis em vez de permitir que Deus opere neles ao nível de
pecado e lei. Infelizmente, todas as normas e regulamentos sem o amor de Jesus
muito contribuem para a religião sombria, triste, desolada, deprimente,
melancólica – ou pior ainda, religião destrutiva.
Quando
vou a uma reunião campal, posso olhar para uma audiência de dez mil
pessoas e identificar de um relance os assim chamados “perfeitos”.
São aqueles que não estão sorrindo. São os que evidentemente não têm nada
a celebrar e em que rejubilar-se porque não têm segurança em Cristo.
Ora, se
eu fosse o diabo, daria a vocês adventistas a verdade bíblica, mas
tornaria vocês e suas igrejas mais frios do que uma fôrma de gelo no
inverno da Sibéria. Por outro lado, eu daria a alguns cristãos alegria na
igreja e na vida cristã, mas confundiria de tal forma sua teologia que
eles não saberiam distinguir Gênesis de Apocalipse.
O que os
adventistas precisam é a alegria da salvação combinada com suas
grandes verdades doutrinárias. Quando os adventistas tiverem a Jesus no
coração e certeza da salvação, eles não apenas terão a verdade com um v
minúsculo (isto é, verdade doutrinária), mas terão a verdade com um V
maiúsculo (o Senhor da Verdade). “Eu sou … a verdade”, disse Jesus (Jo 14:6).
Estou
pessoalmente convencido de que a grande coisa necessária para manter o
adventismo em movimento não é apenas verdade doutrinária, mas um maior
conhecimento de Jesus e a bela certeza de salvação em Cristo.
Necessitamos tanto da verdade quanto da Verdade. Quando os
adventistas tiverem ambas, isso
será proclamado de cada parte do seu ser e em sua adoração, e estarão em uma situação de permitir que o Espírito Santo os use para mover o mundo com a bela mensagem que Deus lhes confiou.
será proclamado de cada parte do seu ser e em sua adoração, e estarão em uma situação de permitir que o Espírito Santo os use para mover o mundo com a bela mensagem que Deus lhes confiou.
Referências
1 Publicado originalmente em George R. Knight, I Used to Be
Perfect: A Study of Sin and Salvation (Berrien Springs, MI:
Andrews University Press, 2001), 85-99. Traduzido do original em inglês por Francisco
Alves de Pontes.
2 Salvo
outra indicação, as citações bíblicas foram extraídas da tradução
Almeida Revista e Atualizada, 2ª edição.
3 Para
estudo mais detido da compreensão adventista tradicional de
Apocalipse 14:12, ver George R. Knight, Angry Saints: Tensions and
Possibilities in The Adventist Struggle Over Righteousness By Faith
(Hagerstown, MD: Review and Herald, 1989), 53-55; idem, A Mensagem de 1888
(Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2004), 115-117. Ver também
Alberto R. Timm, O Santuário e as Três Mensagens Angélicas: Fatores integrativos
no desenvolvimento das doutrinas adventistas (Engenheiro Coelho, SP: Imprensa
Universitária Adventista, 2007), 89, 126-127, 198-201, 225, 230, 238-239.
4 Para
avaliação da nova compreensão de Apocalipse 14:12, ver Knight, Angry
Saints, 55-60; idem, A Mensagem de 1888, 117-121.
5 Ellen
G. White, Parábolas de Jesus, 69; grifos acrescidos.
6 Ellen
G. White ao irmão e irmã Kress, 29 de maio de 1901; publicado em Ellen
G. White, Conselhos Sobre o Regime Alimentar, 202. Em português, a
expressão foi traduzida como “deformação da saúde”. O texto original é um
trocadilho entre “reforma de saúde” (em inglês, health reform) e “deforma
[ou deformação] da saúde” (em inglês, health deform).
7 Para estudo mais aprofundado sobre princípios de
interpretação dos escritos de Ellen G. White, ver George R. Knight,
Reading Ellen G. White: How to Understand and Apply Her Writings
(Hagerstown, MD: Review and Herald, 1997). Ver também Herbert E. Douglass, Mensageira do
Senhor: O ministério profético de Ellen G. White (Tatuí, SP: Casa Publicadora
Brasileira, 2001), 372-443.
8 White,
Parábolas de Jesus, 67, 68; grifos acrescidos.
9 Ibid.,
69.
10 Ellen
G. White, O Desejado de Todas as Nações, 637.
11 White,
Parábolas de Jesus, 415.
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