Quando
relatos se transformam em modelos a serem seguidos, o risco se torna iminente.
Era sábado, de manhã ainda bem cedo.
Eu chegava para um evento de jovens numa igreja na periferia do Rio de Janeiro.
Ao entrar, encontrei um pequeno grupo reunido em oração. Para minha surpresa,
além das senhoras, havia jovens ali. Um deles, que liderava a reunião, convidou
a todos para se ajoelhar e orar, e o fez com a seguinte afirmação: “Quem
anda de joelhos não tropeça!”
Um grupo de anônimos, reunidos bem cedo em
oração, numa igreja de periferia. Isso não se torna notícia, nem engrossa
estatísticas do nosso controvertido crescimento evangélico. Gente assim também
não é levada em conta na abundante literatura destinada a promover os vários
métodos de crescimento de igreja. Afinal, são anônimos! No entanto, é por meio de milhões de
anônimos que o Evangelho é proclamado e promove superação de todo tipo de
barreiras, permitindo a formação de novas comunidades de fé.
Lucas narra, no livro de Atos, a
ação de anônimos no processo de avanço da missão cristã. No relato do
surgimento da igreja em Antioquia (Atos 11.19-30), ele descreve como “alguns
de Chipre e de Cirene começaram a pregar”. Eles ainda não eram, sequer,
chamados de cristãos – mas, motivados pela perseguição após a morte de Estêvão,
saíram anunciando o Evangelho. Como resultado, nasceu uma igreja multiétnica.
Nada de espetacular é mencionado;
o relato apenas menciona alguns evangelistas anônimos, motivados por algo que
havia surgido para destruir a fé, mas que terminou por promovê-la.
O fato de ter sido uma ação anônima
não a fez menor, desprovida de valor. Lucas fez questão de registrar a obra
destes anônimos e ainda relata a atitude de Barnabé ao visitar esta igreja,
quando enviado pelos irmãos de Jerusalém. Barnabé não chegou sugerindo aos
crentes de Antioquia que era portador do “Modelo de Jerusalém”, a solução para
o crescimento da Igreja. O texto nos diz que Barnabé reconheceu que a mão de
Deus estava com eles e os animou a prosseguir.
Esta é a questão fundamental: antes
de comparar Antioquia com Jerusalém (se é que ele o fez), Barnabé testemunhou
os sinais da mão de Deus naquela comunidade.
O crescimento numérico da Igreja
Evangélica brasileira é um fato. Neste contexto, têm surgido muitos modelos com
uma variedade de respostas ao que se supõe serem as perguntas vitais. No
entanto, o problema está no fato de que, para muitos, a primeira pergunta tem
sido negligenciada: “Quais são os sinais da presença de Deus nesta
comunidade?”.
Contudo, o ponto de partida tem
sido a comparação, e não o reconhecimento da ação de Deus, em cada comunidade
local. Os testemunhos de crescimento são inspirativos e devem despertar
alegria em nosso coração; mas, quando relatos se transformam em modelos a serem
seguidos, o risco se torna iminente.
Fico pensando naquele pastor que,
diariamente acompanha os membros de sua comunidade, visita lares e hospitais e,
semana após semana, abre a Palavra de Deus e a expõe com a convicção de que o
Senhor fala ao povo.
Durante anos, ele aprendeu a
reconhecer a mão de Deus sobre a igreja que conduz. Imagine como se sente este
obreiro ao ser induzido a, de uma hora para outra, transformar o testemunho de
determinadas igrejas em modelo para sua comunidade. Agora, não se trata de
reconhecer a mão de Deus, mas sim, de comparar dinâmicas organizativas e
funcionais.
Não sou contra os livros, encontros
e ministérios que promovem determinadas experiências de crescimento, até o
momento em que transformam relatos em modelos.
A questão fundamental não é a
comparação de uma igreja a outra, mas sim o reconhecimento da ação divina em
cada comunidade que se reúne em nome do Senhor. Se este crescimento
evangélico é real, para além da dimensão numérica, então o responsável por ele
é o próprio Deus.
Neste caso, vale a pena seguir a
orientação daquele crente anônimo: “De joelhos, irmãos; assim, ninguém
tropeça.”
Ziel J. O. Machado - Historiador, membro da Equipe Pastoral da Igreja
Metodista Livre da Saúde, em São Paulo, e secretário regional para a América
Latina da Comunidade Internacional dos Estudantes Evangélicos. (
www.cristianismohoje.com.br)
Comentários
Postar um comentário