Esta é uma adaptação do sermão do
Pastor Jan Paulsen, presidente da Associação Geral, proferido no sábado, 13 de
outubro, no Concílio Anual (reunião dos líderes de todas as divisões da igreja
mundial).
O apóstolo Paulo confrontou-se com
um dilema que ele mesmo descreve em 1 Coríntios 8 a 10. Trata-se do dilema que
todo líder da igreja enfrenta, não importa se é pastor distrital ou
administrador. Um dilema que atinge frontalmente a unidade da igreja.
A questão diante de Paulo era: que
conselho dar às pessoas sobre comer ou não carne oferecida aos ídolos? Sua
conclusão foi: “A comida, porém, não nos torna aceitáveis diante de Deus; não
seremos piores se não comermos, nem melhores se comermos” (1Co 8:8 NVI).
E completa – e aqui está o ponto
crítico – dizendo que se o exercício da minha liberdade causa dano a alguém,
está errado e não está em harmonia com a vontade de Cristo. A prática do amor e
cuidado pelos outros deve ser pautada pelo exercício da minha liberdade e pelas
escolhas que faço. Esse princípio bíblico deve definir as ações de todos os que
exercem liderança na igreja. “Todas as coisas me são lícitas”, diz Paulo, “mas
nem todas edificam.” E acrescenta: “Ninguém busque o seu próprio interesse, e sim
o de outrem” (1Co 10:23, 24). Então conclui dizendo: “Sede meus imitadores,
como também sou de Cristo” (1Co 11:1).
É claro que, para Paulo, não se trata de um
assunto sobre alimentação. O alimento é apenas uma ilustração. O assunto é:
Quais são os valores que dirigem suas ações e decisões? Sua resposta é clara:
consideração e deferência. Ou seja, renunciar a direitos em vez de
reivindicá-los. É perguntar: Se eu fizer isso – e está no meu direito fazê-lo
–, qual será o impacto sobre os outros? É o reconhecimento genuíno de que nosso
dever para com os outros é mais importante do que para conosco. Essa passagem
consiste em descobrir o que significa ser parte de algo maior que qualquer um
de nós e nossas comunidades. É um princípio muito importante para nós, como
igreja mundial.
Permita-me destacar alguns
pensamentos que podem ser extraídos desse texto.
1. Aprendendo a confiar. É bom ser capaz de
partilhar recursos e, ao mesmo tempo, delegar o controle. Sem confiança, não
podemos funcionar como igreja. Você e eu temos áreas de responsabilidade
delimitadas. Façamos o nosso melhor em nossa área e confiemos em outros para
cuidar da vida e da missão da igreja onde estão. Todos teremos que prestar
conta de nosso procedimento, se não nesta vida, na por vir, com certeza.
2. Aceitando as diferenças. As palavras de
Paulo nos aconselham também a aceitar quem é diferente de nós e de nossa
maneira de pensar. “Aceitação” não significa, necessariamente, assumir algo
como meu, mas não impor sua importância sobre os que vivem em diferentes
circunstâncias e culturas. Não somos filhos da mesma cultura, mas
compartilhamos dos mesmos laços de família. Estamos ligados pela unidade e
temos que confiar que todos nós faremos o que é correto.
3. Compreendendo o essencial. Esse texto nos
aconselha a sermos sensíveis ao que está no coração da fé adventista e ao que
não está; que não elevemos excessivamente nosso ponto de vista particular, e o
imponhamos a outros; que não superestimemos o valor de nossa cultura ao
relacionar-nos com outros.
4.
Cultivar os laços familiares. Um ponto fundamental desse texto está
relacionado ao cultivo dos laços que nos mantêm unidos como “família”. A Igreja
Adventista do Sétimo Dia é assim. Você apoia essa família por causa de seu amor
e lealdade para com o Senhor e Seu povo, mas não apoia os que têm a tendência
de pensar que foram “chamados” para dar declarações judiciosas e mensagens de
crítica negativa que se tornam uma ofensa ao Senhor e aborrecimento para a
igreja e seus líderes. Esse é um hábito perigoso, por ser prejudicial e
destrutivo para a igreja como família.
5. Representando a Cristo e Seus
valores.
Tudo que faço, diz Paulo, quero que seja aprovado por Cristo. Embora eu seja
livre, me faço de escravo, disciplino a mim mesmo pela causa do evangelho e por
Seu povo. Em tudo que faço, diz Paulo, faço “para ganhar tantos quantos seja
possível”, de tal maneira que a voz de Cristo e Seu amor pela igreja sejam
constrangedores e claros.
Como
cumpriremos nossa missão em um mundo imperfeito, repleto de valores sociais e
legais que não podemos aceitar?
O conceito de responsabilidade e
confiança compartilhado por Cristo e pela unidade da igreja define a liderança
adventista. A igreja está longe de ser uma comunidade perfeita. Mas é o povo de
Deus, o corpo de Cristo, e cuidar da igreja é um ato de adoração.
Seja qual for sua esfera de
responsabilidade, sempre haverá a tentação de assumir responsabilidades
delegadas a outros, ou desafios interessantes que não se recusaria a assumir.
Você pode ser solicitado a intervir em algo que esteja acontecendo em algum
lugar na igreja mundial. Você pode envolver-se profundamente, achando que tem a
solução.
Meu conselho é: “Não faça isso!”
Provavelmente você não percebeu o quadro completo. Frequentemente, recebo o que
chamo de “10% das histórias” – mas é nos 90% do que não me contaram que
encontramos a verdadeira causa do problema.
Mantenha seu foco, portanto, no
trabalho para o qual foi chamado. Deixe que outros lidem com as
responsabilidades confiadas a eles. Se, no fim, tiverem êxito ou fracasso,
terão que responder ao Senhor, como cada um de nós.
O que você faz como líder de
igreja, faça pelo amor ao Senhor e pelo Seu povo, faça com integridade e
mantenha seu coração limpo, pois a meu ver é isso que o Senhor espera de nós.
Comprometimento com a Unidade
A igreja é única. Não é apenas uma ideia
de Deus, mas uma comunidade de alto valor para Ele. Ellen White escreveu:
“Fraca e defeituosa como possa parecer, a igreja é o único objeto sobre que
Deus concede em sentido especial Sua suprema atenção.”* A igreja é
profundamente amada por Deus. É “o cenário de Sua graça e Ele tem firme
compromisso com ela”. A mensagem da Escritura, da pena de Ellen White e de
nossa própria história, confirma que Deus quer que Sua igreja permaneça unida.
De tempos em tempos, surgem
problemas que testam nosso comprometimento com a unidade. É aí que o
compartilhamento da confiança e da responsabilidade sinaliza o caminho para
frente.
Crenças Compartilhadas
Não conheço nada com maior
potencial para dividir a igreja que a Teologia. Sempre foi assim. Alguns de
vocês, que estudam a história da igreja, devem se lembrar de que, muitos
séculos atrás, houve uma controvérsia que dividiu a igreja do Oriente da igreja
do Ocidente. Constantinopla separou-se de Roma, a Igreja Ortodoxa, do
Cristianismo ocidental. O âmago do problema ficou conhecido como a controvérsia
do “Filioque”. O problema tinha que ver com a procedência do Espírito Santo
após a ascensão de Cristo. Os cristãos do Oriente diziam que o Espírito Santo
procedia do Pai, enquanto a igreja do Ocidente adicionava “e do Filho”. E a
igreja foi dividida.
Como adventistas do sétimo dia,
temos forte convicção a respeito das doutrinas e da Teologia. Isso não deveria
surpreender-nos, pois está relacionado às nossas raízes e à nossa compreensão
do assunto. Tem que ver com escatologia e com o fato de preparar um povo para
estar pronto para o retorno de Cristo.
Digo a todos os líderes da igreja:
Temos 28 crenças fundamentais que mantêm a unidade do cerne de nossa identidade
em termos de fé e doutrina. Isso resiste a qualquer tendência de desestabilizar
uma delas para transformá-la em nova doutrina que possa dividir a comunidade
global dos adventistas do sétimo dia! Hoje estamos crescendo tão rapidamente
como igreja mundial que, para mim, é importante que tenhamos as 28 crenças
fundamentais, como declaradas, bem compreendidas e aceitas por todos os novos
membros que estão se unindo a nós. Esse é um desafio monumental. O maravilhoso
fato de estarmos crescendo rapidamente ao redor do globo é também nosso grande
desafio, e não podemos distrair-nos.
Encontrando um Consenso
Há ainda desafios como o tão
discutido assunto do papel da mulher no ministério. Esta é uma preocupação que
vem à tona de tempos em tempos, tanto em minhas conversas com jovens como
durante uma recente conversa, televisionada, com um grupo de pastores da
América do Norte. Alguns perguntaram: “Temos que continuar falando sobre isso?”
Parece-me que sim. Podemos inclusive achar que deveríamos ter lidado com o
problema de maneira diferente, desde o princípio. Entretanto, aconselhamo-nos
como uma família mundial e chegamos a uma conclusão. Houve decisões a respeito,
das quais todos participaram e não podemos nos desviar delas, dizendo: “Eu não
gosto disso! Não importa o que os outros digam, vou corrigir no meu território
o que, a meu ver, é um engano.” Não funciona assim na igreja. Antes de tomarmos
um novo caminho, especialmente quando se trata de um ponto difícil e,
potencialmente, divisor, deve haver amplo consenso entre a liderança,
disposição para ouvir uns aos outros e para concluir que chegou o momento de
pensar de maneira diferente.
A grande preocupação de muitas
mulheres que se sentem chamadas ao ministério, e que possuem formação
profissional para tanto, não é a ordenação, mas apenas o fato de serem
admitidas e ter a oportunidade de trabalhar no ministério. As igrejas locais
são relutantes e as associações encontram dificuldade para empregá-las. Essa é,
em minha opinião, uma grande falha. Os jovens, tanto homens quanto mulheres,
devem aceitar o chamado que Deus colocou em seu coração. Vamos necessitar de
todos para concluir nossa missão e sermos recebidos por Deus na eternidade.
A Missão e um Mundo Imperfeito
A sociedade secular e a igreja
fazem parte do mesmo mundo, mas são divididas por valores muito importantes. A
sociedade, porém, irá testar nossa conduta em algumas dessas áreas: coabitação,
casamento e relacionamento entre pessoas do mesmo sexo. Essa já é uma
controvérsia entre a sociedade e a igreja. As leis impactarão, cada vez mais,
nossa conduta como igreja e talvez em assuntos trabalhistas e na maneira como
administramos nossas instituições. Posso antever tensão entre o fato de, por um
lado, sermos justos com todos e não atrair litígio, e por outro, permanecermos
firmes aos valores bíblicos importantes.
Somos um povo que respeita as leis,
em qualquer país somos cidadãos obedientes; mas a obediência a Deus é
prioritária. É importante não perdermos isso de vista quando os valores dos
dois mundos diferentes colidirem.
Mesmo quando isso acontecer e as
coisas se tornarem difíceis, temos que nos perguntar: Como cumpriremos nossa
missão em um mundo imperfeito, repleto de valores sociais e legais que não
podemos aceitar? Em tal cenário, creio que precisamos nos lembrar de que somos
chamados para cumprir a missão em um mundo dominado pelo pecado. Em alguns
casos, as leis do país podem restringir nossa reação pública com o que não
compactuamos. Isso é difícil, mas assim é o mundo em que vivemos e não podemos
sair dele. É onde fomos colocados para cumprir nossa missão.
Obediência
O que é, então, realmente importante quando tudo é dito e feito a nós,
individual e pessoalmente e também como líderes desta igreja que cremos ser a
comunidade de Deus nos últimos dias da história da Terra? Se tivesse que me
expressar em apenas uma palavra, provavelmente usaria a palavra “obediência” –
obediência a Deus. Porque obediência expressa o lado prático da fé; seu ponto
de referência é sempre alguém ou alguma coisa fora da minha pessoa. Não há
outra maneira de expressar fé.
Como os dirigentes da igreja
deveriam reagir a questões difíceis? Como deveríamos tomar decisões quando as
consequências podem ser incertas ou imprevisíveis? Se, após termos discutido o
assunto, orado por ele, nossa mente estiver em paz com o que acreditamos ser
correto, é importante que a perspectiva das consequências incertas não nos
impeça de avançar. Se você tem certeza do que é correto, vá em frente. Não seja
político. Conserve limpo seu coração. Seja autocrítico em relação a potenciais
conflitos de interesses e só faça o que sabe ser correto. Você vai dormir
melhor, pois fez o máximo para ser leal e obediente a Deus. Neste mundo
incerto, de futuro incerto, esta é, creio eu, a única atitude segura que um
líder da igreja pode assumir.
*Atos
dos Apóstolos, p. 12
Fonte: Adventist
World I Edição Janeiro 2008
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