UMA REFLEXÃO HOMILÉTICA SOBRE A ESPOSA
VIRTUOSA DE PROVÉRBIOS 31:10-31
Emilson dos Reis,
MTP Professor de teologia e pastor da igreja do Unasp Centro Universitário
Adventista de São Paulo, Campus Engenheiro Coelho emilson.reis@unasp.edu.br.
INTRODUÇÃO
Este artigo tem
como tema de estudo a mulher ideal. Se você tivesse que opinar a respeito, o
que diria? Como a descreveria? Destacaria seus atributos físicos como medidas,
cor de pele, de olhos ou de cabelo? Ou valorizaria bastante suas habilidades e
qualidades morais? Ou salientaria sua posição social, sua educação e seus
recursos financeiros?
Na Bíblia
Sagrada, Deus nos deixou uma descrição da mulher ideal. Ela se encontra em
Provérbios 31:10-31. É apresentada na forma de uma poesia acróstica com vinte e
dois versos, cada um contendo duas linhas poéticas. Para facilitar a
memorização do poema, cada verso começa com uma das vinte e duas letras do
alfabeto hebraico, na devida ordem. É claro que na tradução isso se perde.
A mulher aqui
retratada é uma dama de certa posição, que além de diversas habilidades, possui
servas a seu dispor e dinheiro para investir. Por essa razão, relativamente
poucas mulheres possuirão seu padrão de vida e poderão realizar o que ela faz.
Contudo, precisamos saber também que, sendo um livro de religião prática que
trata da conduta, Provérbios tem o propósito de demonstrar os resultados da fé
em ação1.
Portanto, ao
apresentar várias amostras de comportamento, recomenda que aquelas que
demonstram sabedoria sejam imitadas, tanto quanto possível. Assim, nesse relato
da mulher ideal, existem alguns aspectos que servem como modelo para as demais
mulheres, não importa a época ou o lugar em que vivam. Vamos examiná-los.
1. A MULHER IDEAL É UMA BOA ESPOSA
O texto inicia
designando-a como “mulher virtuosa”, embora algumas traduções bíblicas prefiram
a expressão “uma esposa excelente”2, que reflete, de modo mais abarcante e
fiel, o que o autor pretendia dizer. Como esposa exemplar, por meio de palavras
e ações, ela faz bem a seu marido e não o mal (v. 12). Não é implicante, nem
crítica, mas fala com sabedoria e bondade (v. 26). Também não o pressiona para
gastar mais do que tem, nem esbanja o que possuem. Trata-o com amor, atenção e
respeito, sempre e não conforme o humor do momento3.
A conduta dela
demonstra que em seu lar não há batalha entre os sexos. Seu estilo de vida
coopera para que ele seja respeitado, estimado e bem-sucedido na comunidade. De
fato, seu marido é um dos mais nobres homens do lugar e se assenta como um dos
juizes nas portas da cidade (v.23). Por tudo isso, ela conquistou a total
confiança dele (v. 11). Tal descrição tem por objetivo mostrar as qualidades de
uma boa esposa, para estímulo das próprias mulheres, e para indicar aos homens
o perfil de companheira que devem buscar para esposa4.
2. A MULHER IDEAL É UMA BOA
DONA-DE-CASA
A Bíblia de Jerusalém, considerada como a melhor
tradução para a língua portuguesa, traz o seguinte título para este texto: “A
perfeita dona de casa”. Embora a espécie de responsabilidades das mulheres
difira de acordo com sua condição na sociedade em que vive, cada mulher tem o
seu trabalho. Nos tempos antigos, até uma princesa fazia trabalhos domésticos.
A mulher virtuosa não pensa que as deveres domésticos
sejam um fardo, uma eterna mesmice, um tédio, antes, trabalha com coragem,
entusiasmo e persistência. Possui uma mente bem disposta e mãos diligentes5. O
lar é sua esfera de ação e sua missão é tornar seu lar feliz6. Ela não é
preguiçosa (vs. 4-6, 27), pois se levanta cedo e trabalha o dia inteiro (vs.
15, 18). Além disso, é precavida (vs. 4 e 7) e confiante (v. 7).
Ela tem muita saúde e força de vontade. É determinada,
tem iniciativa (vs. 17, 25) e sabe administrar bem seus recursos de maneira a
gerar novas riquezas. Com o dinheiro que adquiriu com seu trabalho compra um
pedaço de terra e o limpa e nele planta vinhas, o que o torna mais valorizado
(vs. 16)7. Além disso, administra bem sua casa. Distribui a tarefa entre os
criados (v. 15) e não deixa faltar o agasalho (v. 21).
Como naqueles tempos, não era fácil encontrar roupas
prontas para comprar e se tornava muito dispendioso contratar alguém para
confeccioná-las, esperava-se que a esposa fosse uma boa costureira, preparando
tanto as roupas comuns como aquelas usadas em dias especiais. Essa habilidade,
que era ensinada de mãe para filha através das gerações8, é uma das qualidades
da mulher virtuosa. Logo, suas roupas são luxuosas, feitas de ótimos tecidos e
belas cores e sua casa é um lugar belo e atrativo, enfeitado com tapetes e
cobertas coloridas no chão, nas paredes e nos leitos, como era o costume das
famílias ricas nos países do oriente (vs. 21-22) 9.
Ela também não deixa faltar mantimento e, como um
navio mercante, faz provisão de tudo que é necessário para sua família (v. 14).
Não se preocupa com o dia de amanhã (v. 25) porque tem em sua mente o consolo e
a satisfação de quem cumpre seu dever. Em sua velhice se alegrará de haver sido
diligente em sua juventude10. É verdade que desfruta de muitas coisas boas,
todavia, tudo foi conseguido com muito esforço e trabalho duro.
3. A MULHER IDEAL É ESPIRITUAL
Quando esteve aqui na Terra, Jesus ensinou que nosso
dever mais importante é amar a Deus de todo o coração e ao próximo como a nós
mesmos (Mc 12:29), o que indica, entre outras coisas, o amor a si mesmo é parte
integrante da vida de um cristão. Também o é de uma personalidade
emocionalmente equilibrada. Quem não gosta de si mesmo está em dificuldades e
não poderá amar seu semelhante, como Deus deseja. A mulher desse relato é
espiritual e, como tal, ama a Deus, ama a si mesma e ama ao próximo.
“Ela se relaciona bem com Deus” (vs. 8 -10). Abriga em
seu coração o temor do Senhor e esse é o segredo de sua vida exitosa. Mas o que
significa temer a Deus? Ao longo do texto sagrado o temor do Senhor é
apresentado como algo positivo, benéfico e imprescindível para a formação de um
caráter cristão. Ter o temor do Senhor abrigado em nosso coração significa
conhecê-Lo (Pv 2:5; 9:10), o que nos levará a admirá-Lo por Sua grandeza, por
Seu caráter, pelo que Ele é e pelo que tem feito (Sl 33:4-8), a reverenciá-Lo
(Hb 12:28) e louvá-Lo (Sl 22:23; 115:10, 11, 13; Sl 118:3-4), a confiar Nele
(Sl 115:11) e a Ele nos submeter, obedecendo com alegria aos Seus mandamentos
(Sl 112:1)11. A
mulher ideal tem esse tipo de relacionamento com Deus. O temor do Senhor é seu
valor primordial e o que dá verdadeiro valor a todas às demais virtudes12.
“Ela se relaciona bem com seus semelhantes” (vs. 8 e
13). No relato, nós a vemos cuidando bem de sua família, dos criados e até dos
pobres de sua comunidade. Freqüentemente o sucesso financeiro das pessoas
também conduz a uma completa falta de compaixão pelos menos capazes e pobres.
Mas não nesse caso. Essa mulher se preocupa com eles e os socorre em suas necessidades13,
sendo generosa para com eles. Além disso, ela atua como mestra, aconselhando e
ensinando sabedoria, não de forma crítica ou áspera, mas com a bondade do céu
(v. 26).
“Ela está de bem consigo mesma” (vs. 8 e 13). Isso
pode ser constatado porque ela, além de valorizar o que é bom e belo, é
vigorosa no corpo, elegante no vestir-se, digna,
animada e bondosa em seu comportamento e devotada e
honrada em sua religião. Enfim, cultiva todas as excelências femininas14.
4. A MULHER IDEAL É BEM-SUCEDIDA
Ela é o deleite de sua família. Seu marido a considera
a melhor mulher do mundo, e diz isso a ela, enquanto que seus filhos não se
cansam de elogiá-la (vs.28-29). Não há conflito de gerações em seu lar. Ela tem
sucesso na vida e sucesso no lar15.
Ela colhe o que semeou (v. 31). Uma das grandes leis
da vida é que colhemos o que semeamos (Gl 6:7). Cada dia, cada momento, por
meio de nossas palavras, de nossas ações, de nosso comportamento, estamos
semeando sementes do bem ou do mal e, mais cedo ou mais tarde, haveremos de
colhê-las; frequentemente aqui mesmo, nesta vida. A mulher ideal semeou sempre
e somente o bem e, agora, é retratada como a colher o que lhe é devido. É
respeitada, apreciada e elogiada pelo marido, pelos filhos, pela comunidade e,
mediante as Escrituras, pelo próprio Deus.
CONCLUSÃO
Ao descrever a mulher ideal, o texto nada diz quanto à
sua aparência física. Não diz se é alta ou baixa, robusta ou esguia, se é loira
ou morena, se os seus olhos são azuis, verdes ou castanhos, porque embora os
aspectos físicos possam ter os seus encantos, a beleza, a graça e o charme são
passageiros e de pouco valor, quando comparados com a beleza moral. “Elegância
de formas, simetria na fisionomia, dignidade nas maneiras, beleza no rosto,
todas essas coisas são vãs. A enfermidade as deforma; o sofrimento as macula e
a morte as destrói”16. Em contraste com aqueles valores encantadores na
aparência está o verdadeiro valor, o temor do Senhor, que é o lema do livro de
Provérbios.
Embora muitos provérbios deste livro tenham sido sobre
mulheres de vida imoral e mulheres contenciosas (2:16; 3:3-13; 6;24-25; 11:22;
21:9, 19; etc.) , cuja companhia é indesejável, suas últimas palavras são um
elogio às mulheres virtuosas. Este texto é um verdadeiro espelho para as mulheres
cristãs, que seriam ricamente abençoadas se freqüentemente olhassem para ele.
Mas, por que Provérbios, escrito, sobretudo, para os
homens, termina exaltando a mulher virtuosa? Primeiramente porque é um livro
sobre sabedoria, que aqui é personificada como uma mulher, por um lado porque é
um nome feminino e, por outro, porque a mulher é um excelente exemplo da
variedade de aplicações práticas da sabedoria. Esta é melhor ensinada e vivida
no lar e resulta numa vida equilibrada, e que é dada atenção aos assuntos
domésticos bem como aos empreendimentos dos negócios e às obras de caridade, e
nos inspira a sermos fervorosos no uso do tempo e dos dons que Deus nos deu, de
modo que outros também sejam beneficiados por ela.
Desse modo, vemos a sabedoria em ação no dia-a-dia e
assim captamos lições concretas e não apenas a teoria. Ao mesmo tempo este
poema vai de encontro à literatura do mundo antigo, que costumava ver a mulher
simplesmente como algo decorativo, com charme e beleza, mas sem substância, e
constitui-se num modelo para aqueles, homens e mulheres, que desejam
desenvolver uma vida de sabedoria17.
Em segundo lugar, uma vez que a sabedoria aqui
ensinada se origina no temor do Senhor, que é o tema de Provérbios, o livro
encerra com o exemplo prático de alguém cuja virtude principal é justamente o
temor do Senhor. De fato, Provérbios, que depois de uma breve introdução na
qual são mencionados os objetivos do livro e seu público-alvo (1:1-6), começou
com o temor do senhor (1:7), e depois retornou a ele diversas vezes (1:29; 2:5;
8:13; 9:10; etc.), agora termina com uma mulher que o possui (31:30) e que por
isso também revela aquelas qualidades que foram exaltadas por todo o livro e é
apresentada como um exemplo a ser seguido.
E, finalmente, porque de todas as pessoas com quem um
homem se relaciona, quem mais pode contribuir para que em sua vida ele reflita
as orientações do livro de Provérbios e se torne um sábio é a mulher temente a
Deus: primeiro na qualidade de mãe e, depois, de esposa. Portanto, a descrição
da mulher virtuosa encerra com “chave de ouro” as instruções precedentes,
dedicadas todas ao homem18 e nos ensina que Deus quer que cada mulher de Sua
igreja tenha o Seu temor no coração e dê prioridade em conquistar aquelas
qualidades que o céu aprova. Deseja que não viva para si, mas que a sua
influência de modo a beneficiar a todos que puder.
NOTAS DE REFERÊNCIA
1 Virgínia Everett Davidson,
“Provérbios que servem de orientação”, Lição da Escola Sabatina – Adultos,
4º Trim. (Tatuí, São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 1991), 3.
2 Derek Kidner, Provérbios –
introdução e comentário, Série Cultura Bíblica (São Paulo: Vida Nova e
Mundo Cristão, 1980; reimpresso em 1982), 92 e 177. A expressão hebraica
para “mulher virtuosa” inclui prudência, fidelidade, laboriosidade,
generosidade e iniciativa. – Matthew Henry, Comentário exegético-devocional
a toda la Biblia ,
13 vols. (Viladecavalis, Barcelona: CLIE, 1988), 2:374.
3 Ibid.
4 Ibid., 2:373.
5 R. N. Champlin, O Antigo
Testamento interpretado versículo por versículo, 7 vols. (São Paulo:
Hagnos, 2001), 4:2693.
6 Joseph S. Encheu,
The Biblical Illustrator, 23 vols. (Grand Rapids, Michigan: Baker Book
House, s. d.), 5:688.
8 Champlin, 4:2693.
9 Ibid., 4:2694
10 Henry, 2:375-376.
11 Emilson dos Reis, “Temor e medo de
Deus: um estudo homilético sobre a relação com o divino nas Escrituras”, Parousia,
2° semestre de 2004: 64-65.
12 Henry, 2:375.
13 SDABC, 3:1071.
14 Exell, 5:688-690.
15 Na tradição judaica, este poema era
recitado pelos maridos e pelas crianças na hora da refeição na sexta-feira à
noite. – Frank E. Gaebelein, ed., The Expositor’s Bible Commentary [TEBC], 12
vols. (Grand Rapids, Michigan: Zondervan Publishing House,
1991), 5:1128.
16 Adam Clarke,
citado em Champlin, 4:2695.
17 TEBC, 5:1130.
18 Henry, 2:372.
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