Numa sociedade que está mais preocupada com o
status da função, o modelo de liderança proposto por Cristo é o do serviço
“Você deseja ser um líder ou um seguidor?” Essa pergunta traz consigo
respostas muito mais profundas do que aparenta, e deveria nos fazer refletir
além das obviedades. Pelo menos é o que propõe Susan Cain em um artigo do The
New York Times acerca da supervalorização dos líderes e da necessidade
que o mundo tem de seguidores. Recebi esse texto de dois amigos no mesmo dia e,
para minha surpresa, na mesma semana, o Estadão o publicou em
seu site com o título “A glorificação da capacidade de liderança se esquece dos seguidores”.
Susan, que escreveu o
bestseller O poder dos quietos (HarperCollins, 2012), tem
defendido a tese de que as organizações precisam valorizar mais as pessoas com
perfil introvertido, pois elas enriquecem o ambiente de trabalho com sua
criatividade, persistência e moderação. No texto do jornal, ela faz uma crítica
ao sistema norte-americano de ensino superior, que prestigia estudantes com o
perfil de liderança em detrimento daqueles com características menos
expansivas. Para a autora, a forte ênfase que se tem dado no quesito
“capacidade de liderança” pode nos levar a pensar “que a sociedade ideal seja
composta de indivíduos que comandam”.
De fato,
parece que esse é o conceito por trás de uma infinidade de livros que preenchem
as estantes das principais livrarias e são promovidos nas redes sociais ou nos
e-mails promocionais que recebemos diariamente. No intuito de promover uma
comunidade proativa, o modelo que vem sendo propagado é o dos empreendedores
que, ainda jovens, conseguem fazer prodígios. A cada dia, aumenta o número
daqueles que sonham em ser o próximo Bill Gates ou Mark Zuckerberg.
Se, de um lado, é importante
ressaltar o papel que os líderes têm em promover mudanças significativas em
suas esferas de ação, de outro, o efeito colateral desse estímulo acentuado é o
desenvolvimento de uma geração mais preocupada com o status do
que com o serviço. E esse é o grande problema!
Ao longo
do tempo, desenvolveu-se a ideia de que pessoas em função de liderança merecem
vantagens que aqueles que não conseguiram alcançar esse posto não merecem.
Assim, a função acabou sendo ambicionada muito mais por seus privilégios do que
por suas responsabilidades. Tal ideia para mim parece uma grande contradição,
especialmente quando considero a perspectiva de liderança encontrada na pessoa
de Jesus.
Neste momento, duas passagens
bíblicas me vêm à mente: Mateus 20:20 a 28 e Filipenses 2:1 a 8. Na primeira,
Cristo foi abordado pela mãe de dois de Seus discípulos, Tiago e João, para que
lhes concedesse posição de liderança em Seu reino vindouro. Diante de um pedido
muito inapropriado, que gerou indignação entre os discípulos, o Mestre deu uma
resposta magistral: “Vocês sabem que os governantes das nações as dominam, e as
pessoas importantes exercem poder sobre elas. Não será assim entre vocês. Ao
contrário, quem quiser tornar-se importante entre vocês deverá ser servo, e
quem quiser ser o primeiro deverá ser escravo; como o Filho do homem, que não
veio para ser servido, mas para servir e dar a Sua vida em resgate por muitos”
(20:25 a 28).
Cristo inverte a lógica humana e
demonstra, por atos e palavras, que em Seu reino os valores são muito
distintos. Ao tratar desse episódio, o Comentário Bíblico Adventista traz
uma declaração que realça a mensagem que o Mestre pretende nos dar: “Entre os
cidadãos do reino celestial, poder, posição, talento e educação devem ser devotados
exclusivamente ao serviço dos outros e jamais devem ser usados como alavancas
para dominar” (v. 5, p. 494). Que desafio em um mundo cada vez mais
competitivo, em que o topo é um alvo a ser alcançado custe o que custar!
Por sua
vez, Filipenses 2:1 a 8 traz uma reflexão de Paulo acerca do modelo encontrado
em Jesus. Considerando o exemplo de Cristo de serviço, humilhação e obediência
extrema, que O conduziu à cruz, o apóstolo exorta os cristãos a abandonar
qualquer atitude ambiciosa ou repleta de vaidade, e a se revestir da humildade
que considera “os outros superiores a si mesmos” (v. 3). O olhar do cristão se
volta para cima, em busca de um relacionamento profundo com Deus, e para os
lados, com o propósito de servir aos que estão ao redor.
As lições que esses dois textos
apresentam convergem perfeitamente com o anseio de Susan Cain, que conclui seu
artigo da seguinte maneira: “[Se] buscamos uma sociedade de indivíduos
comprometidos, criativos e solidários e líderes que sentem que estão ali para
servir e não em busca de status, então temos que nos empenhar para deixar isso
bem claro.” Eu seria muito ousado em dizer que os cristãos deveriam ser a
resposta desse desejo?
WELLINGTON BARBOSA, graduado em Teologia e Administração, é editor na
Casa Publicadora Brasileira e cursa o doutorado em Ministério na Universidade
Andrews (EUA)
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