Evidências do juízo pré-advento em Daniel 8
O CONTEXTO DE DANIEL 8:14
Penso que Knight esteja certo em sua análise sobre o julgamento em
Daniel 7, ou seja, a existência de um forte paralelo entre os capítulos 7 e 8,
e a necessidade de se chegar a conclusões por meio de uma interpretação sólida,
e não apenas pela leitura de um texto com outro. É verdade que o paralelo entre
os capítulos é suficiente para associar o juízo pré-advento (Dn 7) com a
purificação do santuário (Dn 8), de modo que o momento do segundo se aplique ao
primeiro. Mas o que há em Daniel 8:14? Será que o texto se refere apenas a um
julgamento pré-advento do “chifre pequeno” no fim dos tempos, e não contém um
juízo investigativo dos santos?
De fato, Daniel 8:14 também não menciona explicitamente o “chifre
pequeno”. Diz apenas: “E ele me disse: ‘até 2.300 tardes e manhãs; e o
santuário será [justificado]’” (grifo do autor). Isso não soa como pensamento
completo porque está respondendo à pergunta do verso 13: “Até quando durará a
visão do sacrifício diário [que inclui a] transgressão assoladora, visão na
qual é entregue o santuário e o exército, a fim de serem pisados? (grifo do
autor). Assim, justificar o “santuário” no fim dos 2.300 “dias” (v. 14) resolve
o problema levantado no verso 13. Não podemos entender o significado de
justificar o santuário sem compreender a natureza do problema que isso pretende
resolver.
A questão apresentada no verso 13 tem quatro partes: (1) a regularidade
(diário), (2) a transgressão assoladora, (3) um santuário, e (4) ser pisado
(Roy Gane, “The Syntax of Tet Va. in Daniel
8:13”, em J. Moskala (ed.), Creation, Life, and Hope: Essays in Honor
of Jacques B. Doukhan [Berrien Springs, MI: Andrews University, 2000],
367-382). Mas essa lista enigmática não não nos diz muito por si só. O que
aconteceu com “a regularidade” e “o santuário”? Quem é responsável pela
“transgressão assoladora” e por “pisotear o exército”?
O chifre pequeno obviamente se destaca, mas onde está o povo fiel a Deus
(os santos) em tudo isso? O “povo santo” aparece descrito no verso 24 (cf. v.
25), retratado como objeto de destruição pelo poder simbolizado pelo chifre
pequeno. Visto que o povo santo pertence ao Deus do Céu e, portanto, ao
Príncipe da hoste celestial, parece que destruí-lo literalmente expressa a
mesma coisa que pisotear alguns do exército celestial (v. 10; cf. v. 13). Seja
como for, Daniel 8 identifica explicitamente duas partes opostas: (1) o poder
rebelde do chifre pequeno; e (2) o povo fiel de Deus, a quem o chifre persegue.
Descobrimos que Daniel 8:14 responde à pergunta referente a um
determinado cenário (v. 13) que tem seu desdobramento no restante do capítulo,
tanto em uma visão anterior quanto em sua interpretação. Assim, o todo de
Daniel 8 se concentra no versículo 14: “Até 2.300 tardes e manhãs e o santuário
será purificado [justificado]” (grifo do autor). Agora sabemos o que isso
significa: No fim de um longo período de 2.300 “dias” (obviamente muito mais
que dias literais), que vão do período medo-persa até o fim do período de
dominação do chifre pequeno, um santuário seria justificado. Esse evento do fim
dos tempos (v. 19, 26) repararia os problemas causados pelo chifre pequeno, o
qual interrompeu a adoração ao Deus verdadeiro, levantou oposição, contrafez o
sistema da adoração, atacou o local do santuário de Cristo e atentou contra
alguns de Seus súditos.
NATUREZA DO JULGAMENTO
De que maneira o fato de justificar o santuário resolveu essas questões?
É verdade que o ataque do chifre pequeno contra o santuário de Deus foi apenas
um de seus crimes, mas os outros crimes também interferem no santuário, porque
ali é o local em que os fiéis súditos de Deus regularmente realizam sua
verdadeira adoração. O “santuário” celestial (literalmente, [lugar de]
santidade, em Dn 8:14) se refere ao Templo no Céu, a sede do governo divino, a
representação de Sua administração, assim como a Casa Branca representa o
governo dos Estados Unidos ou o Kremlin a administração da Federação Russa.
Portanto, justificar o santuário de Deus, o local real em que Ele reside no Céu
(Sl 11:4;Ap 4), compreende nada menos que vindicar Sua santa forma de governo,
em oposição ao sistema do chifre pequeno.
Observando Daniel 8 e seu contexto, verificamos que a vindicação do
santuário de Deus no tempo do fim (v. 14) envolve um processo de justiça que
resulta em benefício para Seu povo fiel e na condenação dos rebeldes. Portanto,
após tudo isso, existe um julgamento envolvendo os “santos”, embora o texto não
mencione isso com essas palavras.
O pano de fundo do Dia da Expiação para Daniel 8:14 é evidente. Ele
indica uma relação tipológica: o Dia da Expiação típico aponta para um futuro
julgamento antitípico no fim dos tempos. O Dia da Expiação anual era um dia de
julgamento em Israel, quando o ritual de purificação do santuário terrestre
representava a vindicação da justiça divina, a qual confirmava os fiéis (Lv
16:29-31), mas condenava os infiéis (Lv 23:29, 30) entre Seu povo. Todos
aqueles cujos pecados já haviam sido perdoados em um estágio anterior de
expiação (Lv 4:20, 26, 31, 35 etc.), e que haviam demonstrado contínua lealdade
no Dia da Expiação (Lv 16:29, 31; 23: 26-32), ficavam moralmente “puros”
(livres de qualquer impedimento no relacionamento divino-humano) como resultado
da purificação do santuário (Lv 16:30) [Roy Gane, Cult and Character:
Purification Offerings, Day of Atonement, and Theodicy (Winona Lake,
IN: Eisenbrauns, 2005), p. 305-333]. Estamos começando a descobrir que há
mais do que parece em Daniel 8, incluindo um julgamento que envolve o povo leal
a Deus.
RELAÇÃO ENTRE DANIEL 7 E 8
De acordo com Knight, é em Daniel 7 que o processo de investigação
judicial é descrito com alguns detalhes. Ele também reconhece que há um
estreito paralelo entre Daniel 7 e 8 (referindo-se em 8:1 à visão do capítulo
7), o qual demonstra uma correspondência entre o juízo pré-advento e a
purificação do santuário respectivamente.
Daniel
7 |
Daniel
8 |
Leão |
|
Urso |
Carneiro
(Medo-Pérsia, v. 20) |
Leopardo |
Bode (Grécia, v. 21) |
Animal
terrível |
Chifre
pequeno: crescimento horizontal |
Chifre pequeno |
Chifre pequeno: crescimento vertical |
Juízo pré-advento
(v. 9-14) |
Purificação
do santuário (v. 14) |
Daniel 8 repete o mesmo período histórico coberto por Daniel 7 (exceto
Babilônia, que já havia passado e, portanto, não mais era relevante). Os
impérios são os mesmos, e a natureza do problema do poder do “chifre pequeno” é
a mesma. O fato de o mesmo símbolo ser usado (embora o chifre em Daniel 8
inclua expansão horizontal por Roma pagã/imperial no v. 9) reforça a
proximidade do paralelo. Depois dos ataques do chifre, há uma solução divina em
cada capítulo, que é regulamentada em favor dos santos e contra o poder que os
oprimiu.
Os perfis proféticos correspondentes em Daniel 7 e 8 mostram que o juízo
pré-advento e a justificação do santuário celestial são maneiras diferentes de
descrever o mesmo evento: a vindicação de Deus diante dos seres criados por
meio de um Dia da Expiação escatológico, que demonstra Sua justiça em condenar
os desleais, mas salvar Seu povo leal e santo (Roy Gane, Who’s Afraid
of the Judgment?, p. 40-45). Isso reforça a conexão entre Daniel 7 e 8
e confirma que o evento que começa no fim dos 2.300 “dias” proféticos nos
envolve, como concluíram os pioneiros adventistas.
Continuemos respondendo ao desafio de Knight de explorar, viver e
proclamar nossa visão apocalíptica em vez de neutralizá-la!
Autor: ROY GANE é
professor de hebraico e línguas do antigo Oriente Médio no Seminário Teológico
da Universidade Andrews
(Artigo
publicado na edição de março-abril da revista Ministério)
Fonte:
http://www.revistaadventista.com.br/blog/2020/02/23/a-hora-do-julgamento
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