"Os heróis da historia da
Igreja começaram justamente como crentes questionadores, que duvidaram daquilo
que todos consideravam ser o obvio."
A diferença sempre foi vista com
curiosidade ou estranheza. A cor de sua pele, por exemplo, pode tornar você um
estranho em alguns cenários. Já seu poder aquisitivo ou sua educação têm a
capacidade de fazer com que se destaque em determinados ambientes. Até mesmo
seu estilo de adoração, a linha teológica que você adota ou sua preferência por
algum partido político podem colocá-lo à margem – ou para além dela – em certos
casos. A verdade é que ser, pensar, olhar ou agir de modo diferente da maioria
pode empurrar determinado indivíduo para fora dos círculos sociais e
religiosos.
Fato é que, nas nossas igrejas,
sempre há uma pessoa, ou um grupo, que na maioria das vezes se sente diferente
da maioria – e gente assim quase sempre é marginalizada. Dan Taylor, em The
Myth of Certainty [O mito da certeza], chama essas pessoas de
“cristãos reflexivos”. Os menos solidários classificam-nas como questionadoras
da fé; e, muitas vezes, suas atitudes de inconformismo fazem com que se tornem
desrespeitados em suas comunidades.
Como quase todos os protestantes sabem, no século 16 a Igreja Católica
Apostólica Romana estava empolgada acerca da emissão das famigeradas
indulgências. Elas eram alardeadas pelo clero como maneiras de reduzir o tempo das
pessoas no purgatório através da doação de dinheiro ou bens à
Igreja. Mas apesar da generalização de tal prática, muitas pessoas
não se contiveram e questionaram o programa de indulgência proposto pelas
autoridades eclesiásticas. Elas duvidaram do que a instituição sustentava com
tamanha convicção, simplesmente porque aquilo não fazia sentido para esses
cristãos questionadores. Se permanecessem em silêncio, iriam se sentir
desonestos e frustrados; contudo, se levantassem suas questões, seriam vistos com
desconfiança. Alguns desses questionadores, como Martinho Lutero se
manifestaram e descobriram que cristãos reflexivos, já àquela altura, não
tinham futuro na Igreja.
Aproximadamente cem anos mais tarde, Galileu Galilei olhou através de um
telescópio certa noite e viu luas posicionadas como bailarinas em órbita de
Júpiter. Logo percebeu que a Igreja estava errada ao sustentar a visão de mundo
tradicional, geocêntrica, que havia herdado de Aristóteles e Ptolomeu.
Infelizmente, quando passou a questionar abertamente a corrente majoritária,
ele descobriu aquilo que Martinho Lutero já sentira na pele: cristãos
reflexivos não eram bem-vindos à Igreja.
Uma história semelhante poderia ser
contada acerca do célebre evangelista John Wesley, que duvidava daquilo que
todos sabiam: que atividades sagradas, como a pregação, precisavam ser
desenvolvidas em espaços sagrados, como púlpitos. Por discordar disso, ele foi
à porta das minas de carvão do Reino Unido anunciar a salvação em Jesus a
trabalhadores que não frequentavam os templos. Poderíamos falar ainda de
crentes reflexivos como Phineas Bresee, fundador dos Nazarenos, que duvidou que
pessoas pobres devessem ser evitadas por cristãos honrados. E o que dizer de
Menno Simons, o líder dos anabatistas, que discordava da voz corrente de que
cristãos deveriam matar outros cristãos em nome de Cristo?
Questionadores contemporâneos, como
o pastor Martin Luther King Jr e o bispo Desmond Tutu, duvidaram que a raça
fosse um fator de comunhão, e enfrentaram forte oposição por isso. Já líderes
como Bill Hybels ou Rick Warren, com suas propostas de uma nova eclesiologia,
ou talvez você, com suas ideias ainda não devidamente expostas, também tendem a
provocar certo desconforto devido a suas posturas... Os heróis que estudamos na
história da Igreja começaram como cristãos reflexivos que duvidaram daquilo que
todos consideravam ser o óbvio. Como consequência foram, em quase todos os
casos, marginalizados. Quando comunidades habitualmente marginalizam ou excluem
seus membros mais reflexivos – aqueles que fazem perguntas difíceis sobre
coisas que são completamente basilares para a maioria –, é claro que os que são
estigmatizados acabam feridos.
A
comunidade que exclui, no entanto, também é ferida, porque ao agir assim corta
da própria pele recursos de crescimento e de renovação. Além disso, constrói
resistências exatamente para aquilo que em breve será necessário, o que deixa
no ar uma pergunta urgente: quem são os cristãos reflexivos, que talvez sintam
que já estão com a camada de gelo bem fina nas margens, ou seja, prestes a
serem marginalizados por completo? E o que seria necessário para dizer-lhes que
eles são queridos, necessários e respeitados, que a sua diferença não é um
problema a ser resolvido por meio da pressão para que se amoldem, mas que sua
atitude questionadora é um recurso?
Aqui vai uma sugestão: que esses
cristãos reflexivos sejam ouvidos! Tentemos entender suas perguntas,
frustrações e novas ideias, mesmo que não concordemos com suas inquietações.
Sejamos atenciosos, dando-lhes espaço para serem quem são, mesmo se pensam
diferente da maioria. Às vezes, talvez seja preciso se posicionar entre eles e
seus críticos mais contundentes a fim de defendê-los das forças que mantêm as
fronteiras e promovem a exclusão. Um coração bondoso e um ouvido disposto a
escutar podem manter os cristãos reflexivos dentro da comunidade – e, se a
renovação vier das margens, como quase sempre parece ser o caso, então, ao
amputarmos essas nossas margens, fazemos aquilo que os chefes dos sacerdotes e
escribas fizeram quando uma voz necessária apareceu às margens de sua
comunidade. Será que estamos escutando seu clamor?
(Tradução: Jorge Camargo)
Brian
McLaren fundou
e foi por muitos anos pastor da Cedar Ridge Community Church, nos arredores de
Washington D.C. (EUA). É palestrante e autor de vários livros, dentre
eles A mensagem secreta de Jesus e Uma ortodoxia generosa.
Fonte:
wwwcristianismohoje.com.br
Comentários
Postar um comentário